Título: A nova partilha da África
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 21/12/2008, O Mundo, p. 36

Gigantes emergentes, China e Índia disputam recursos e influência no continente

Leonardo Valente

A disputa não é mais colonial e nem entre potências européias. No início do século XXI, são dois grandes países emergentes que competem de forma acirrada por influência e negócios no gigantesco continente africano. Embaladas pela necessidade cada vez maior de recursos naturais, especialmente petróleo, e pelas oportunidades de um mercado em potencial pouco explorado pelo Ocidente, China e Índia fazem uma espécie de nova partilha, não mais de territórios como em séculos anteriores, mas de acordos entre governos e de contratos milionários. Os dois países juntos já compram 27% das exportações africanas e são responsáveis por metade dos investimentos estrangeiros na região. Junto com o dinheiro vem a influência política, o que está despertando o temor de muitos países, especialmente dos EUA.

- Eles (China e Índia) estão investindo pesado e muito rápido na África. Espero que não repitam os erros que as potências coloniais cometeram no continente. Seria uma ironia observar que antigos colonizadores tentam agora corrigir erros do passado enquanto novos colonizadores tentam repetir esses erros - disse o investidor George Soros durante viagem ao Senegal.

A China, maior investidor na África atualmente, aumentou em mais de 50 vezes suas trocas comerciais com o continente entre 1987 e 2007. Este ano, o comércio com a região nos primeiros nove meses do ano aumentou 59%, chegando a US$83,4 bilhões. Mais de 800 empresas, a maior parte públicas, estão presentes em 48 países africanos. Pequim, que vê na África uma grande oportunidade de suprir parte de sua demanda energética, faz acordos com governos trocando oportunidades de exploração de petróleo por investimentos e empréstimos. Recentemente, investiu US$150 milhões na construção da nova sede da União Africana na Etiópia, num "gesto de boa vontade" com a região. Os chineses também estão comprando milhões de hectares em propriedades para investir na agricultura, voltada para o mercado chinês.

A política do governo é clara e tem sido bem-sucedida na região: ao contrário do Ocidente, não tenta interferir em assuntos internos dos países africanos e negocia de forma pragmática com todo o tipo de governo, dos mais democráticos como África do Sul a ditaduras cruéis como a do presidente Robert Mugabe, do Zimbábue.

- Os chineses fecham contratos com cláusulas que já incluem mão-de-obra própria. Ou seja, levam seus empregados para a África, num esquema de jornada de trabalho e salários mais competitivos que o oferecido por outros países. Essa estratégia ajuda no fechamento das parcerias - diz Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Peregrinações a Nova Délhi

Mas ameaças aos interesses econômicos chineses na África são considerados tão graves que fizeram o país, pela primeira vez desde o século XV, anunciar que vai enviar navios de guerra para fora de seu continente: a frota segue este mês para a costa oriental africana para proteger petroleiros da ação de piratas.

A Índia, apesar de ter menos recursos que a China, foi o segundo investidor mais importante na África em 2007. Na tentativa de conquistar maior aproximação política, o governo de Nova Délhi criou um fundo de US$10 bilhões para ajudar projetos humanitários na África. Os indianos, mais necessitados do petróleo africano que os chineses, oferecem parcerias tecnológicas e na área de serviços em troca de contratos na área de energia. Também investem pesado no setor financeiro. No ano passado, compraram o maior banco da África do Sul.

- Vários governantes africanos vão até Nova Délhi tentar fechar acordos pois conhecem os interesses estratégicos da Índia - disse o jornalista indiano radicado nos EUA e pesquisador em relações internacionais Fareed Zakaria.