Título: Toda a restrição só prejudica o consumidor
Autor: Alves, Cristina; Ribeiro, Erica
Fonte: O Globo, 21/12/2008, Economia, p. 35

Presidente da Anac admite dificuldades para punir responsáveis pelo caos aéreo e quer concorrência nos aeroportos

Há um ano, a economista Solange Paiva Vieira assumia a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) levada pelo ministro Nelson Jobim. Funcionária de carreira do BNDES e ex-titular da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), ela tinha a missão de evitar um novo caos aéreo, preparar um marco regulatório para a concessão de aeroportos e traçar uma política de céus abertos para o país. Solange, dona de um sorriso franco, ganhou, há algumas semanas, destaque no noticiário ao se tornar alvo de críticas do governador do Rio, Sérgio Cabral. Ela defende o fim das restrições de operação no Santos Dumont. Ele é contra porque quer fazer "decolar" o Galeão.

Cristina Alves e Erica Ribeiro

A senhora vem travando uma queda-de-braço com o governador Sérgio Cabral a respeito da abertura do Aeroporto Santos Dumont, que sofre restrições de vôos desde 2004. Essas restrições já se traduziram em melhoria do movimento no Galeão, como pretendia o governo do Estado?

SOLANGE PAIVA VIEIRA: A concorrência será maior se o Santos Dumont funcionar sem restrição. Não enxergamos nenhum problema de segurança no Santos Dumont. Ele tem uma pista menor e que não suporta aviões que decolem muito pesados. Esse tipo de restrição faz com que o aeroporto comporte vôos curtos e com volume de passageiros menor. Esse perfil de vôo "bate-e-volta", hoje usado na ponte aérea, vai acabar sendo o perfil do Santos Dumont.

E o Galeão?

SOLANGE: O Galeão não conseguiu se estabelecer em nível internacional. Ele é um aeroporto de longa distância e linhas internacionais e não conseguiu avanços depois do fechamento do Santos Dumont. Temos cinco milhões de passageiros nos vôos domésticos enquanto Guarulhos tem 4,8 milhões. Galeão já passou Guarulhos nos vôos domésticos, mas no internacional, o movimento é irrisório. É de 1,1 milhão, enquanto em Guarulhos, é de 4 milhões. A grande diferença do Galeão em relação a Guarulhos está no tráfego internacional. A argumentação é de que fechar o Santos Dumont torna o Galeão um hub (centro de distribuição de vôos) internacional. No entanto, as empresas estão começando a pedir vôos para o Galeão só agora e por causa do limite de Guarulhos.

Um dos argumentos do governo do Estado é de que é preciso valorizar o Galeão, que vai ser privatizado, já que vem aí a Copa do Mundo e, quem sabe, as Olimpíadas...

SOLANGE: Antes da Anac, existiam várias restrições no Brasil inteiro, basicamente onde o tráfego aéreo é mais intenso, como São Paulo, Rio e Minas Gerais. O nosso entendimento é que as restrições têm que sumir da mesma forma que sumiram as restrições a preços. Eu acho importante esclarecer que estamos discutindo muito o Galeão, mas é importante ver se o Estado do Rio ganha ou perde com os dois aeroportos. Olhar um aeroporto isoladamente é um pouco sem sentido para o governo do Estado. O Rio não teve externalidade positiva por estar operando só no Galeão. A taxa de crescimento do volume de passageiros, somando os dois aeroportos do Rio, foi de 8% ao ano entre 2003 e 2007. A do país foi de 12%. O Galeão aumentou o número de passageiros, mas o número de vôos para Brasília, Belo Horizonte e Vitória caiu.

Que companhias já manifestaram interesse na abertura do Santos Dumont?

SOLANGE: Temos 47 pedidos das companhias áreas, sem contar a Azul, que ainda não fez pedidos. Todos são de vôos para Brasília, Belo Horizonte, Vitória e Curitiba e há um pedido para Porto Alegre. Não sei se todos são possíveis de atender. Santos Dumont tem 16 movimentos de vôos no horário de pico e o máximo é 23 movimentos. Se os 47 pedidos são para o horário de pico, alguns vão ser negados.

Quais companhias solicitaram vôos saindo do Santos Dumont?

SOLANGE: Webjet, OceanAir, TAM e Gol.

É um perfil de viagens de negócios...

SOLANGE: Sim, é o perfil de viagens de negócios. O que a gente pode dizer é que o Santos Dumont comporta 8,8 milhões de passageiros/ano e hoje o fluxo é de 3,2 milhões.

A audiência pública para discutir a abertura ou não do Santos Dumont, que seria realizada em Brasília esta semana (semana passada), foi suspensa por força de liminar, a pedido do governo do Rio. O que a Anac vai fazer?

SOLANGE: Todas as nossas audiências são em Brasília porque a sede da Anac é lá. Se o governador tivesse solicitado, teríamos feito no Rio. Fizemos audiência pública sobre Congonhas em Brasília e ninguém reclamou. No caso do Rio, na véspera, eu soube que poderia haver um mandado de segurança. No dia, a audiência aconteceu por duas horas e foi suspensa pela liminar. Nova audiência está marcada para dia 30, aqui na sede da Anac, no Rio.

Se precisar brigar na Justiça para reabrir o Santos Dumont, a Anac fará isso, mesmo sabendo que o governador Sérgio Cabral se considera hoje um aliado do presidente Lula?

SOLANGE: O nosso trabalho é técnico. Estamos cumprindo um ato legal. Na hora em que o governo quiser conversar estamos abertos. A audiência pública será no Rio e, havendo necessidade, talvez façamos outra em Brasília, em campo neutro. Teremos que analisar cada material enviado na audiência pública (o prazo acabou às 18h de sexta-feira, dia 19, com 34 sugestões, sendo três do governo do Estado do Rio).

Quando o Santos Dumont poderia ser totalmente reaberto então? No meio do ano?

SOLANGE: Acho que não havendo contratempos, esse seria um bom prazo.

Qual é o melhor modelo de concessão de aeroportos para o país?

SOLANGE: Já temos tido demandas do setor privado de construção de aeroportos na região da Bahia, de São Paulo e Minas. A Usiminas inclusive está interessada em um aeroporto na região. O marco regulatório terá que prever como vamos lidar com a concessão dos aeroportos já existentes e dos que vão surgir. Estamos trabalhando para até o meio do ano deixar o marco regulatório pronto, para encaminhar ao Ministério da Defesa, que encaminhará ao presidente da República. Haverá uma recomendação técnica de como a agência acha que terá que se lidar com a concessão de aeroportos, seus investimentos, o tipo de setor que poderá entrar na concessão.

As companhias aéreas poderão participar do processo de concessão? Algumas, como a TAM e a Azul já manifestaram interesse...

SOLANGE: Não sou contra e nem a favor da entrada de companhias aéreas em aeroportos. Acho que, dependendo de situações e peculiaridades dos países, pode ser bom ou ruim. Acho que quanto maior o grau de concorrência do setor, se ele tem muitas empresas aéreas, não tem problema que elas participem da infra-estrutura aeroportuária. Não vejo que, nos Estados Unidos, fosse um problema participar, pela quantidade de empresas aéreas existentes. No Brasil, eu acho que pode ser um problema porque hoje o grau de concentração do setor é muito elevado.

É possível concluir o marco regulatório a tempo de a cidade e o país se candidatarem à Copa do Mundo e às Olimpíadas?

SOLANGE: Eu não consigo entender a associação entre Copa do Mundo e Olimpíadas com a concessão. Acho que o problema passa por gestão, por aeroporto eficiente, que funcione bem, que faça investimentos. E essa questão não se decide com a concessão. Imagina se a concessão do aeroporto vai para uma gestão ruim? A gestão passa por um plano de investimentos.

Mas a Infraero, que comanda a gestão hoje, teria agilidade para isso?

SOLANGE: Eu acho que o problema está na parte de investimentos e quem vai estabelecer os investimentos para o aeroporto é o setor público no edital de concessão.

Em quanto tempo o consumidor seria beneficiado com concorrência mais eficiente?

SOLANGE: Três coisas fazem parte do trabalho da Anac: a concorrência, a qualidade do serviço e a segurança. Segurança é o principal foco de qualquer agência reguladora. Na minha concepção, é impensável imaginar que o ente regulador trabalhe um modelo de concessão de um aeroporto com reserva de mercado para esse aeroporto. Não faria sentido se a Anac, por estar concedendo Viracopos, por exemplo, proibisse vôos internacionais em Guarulhos. Da mesma forma que acho impensável associar a idéia de o Galeão ganhar com a concessão uma reserva de mercado. Há uma regra que impede vôos no Santos Dumont (além de ponte aérea e regionais) e acho que toda a restrição de concorrência prejudica o consumidor.

Como está a política de céus abertos no país?

SOLANGE: Ainda não estamos discutindo céus abertos e sim liberalização de preços na América do Sul. As tarifas para a América do Sul estão liberadas e, na região, o nosso principal mercado é a Argentina, onde há limitação de freqüências. Na América do Sul temos interesse de céus abertos, só que o governo argentino tem posição contrária. Eles não querem mais companhias voando para lá. Mas acho que isso é ruim para os dois países. A companhia aérea traz turismo e negócios e isso é mais importante do que a bandeira do transportador.

E com relação a Europa e Estados Unidos?

SOLANGE: Esse é um processo lento, uma negociação entre países. Quando você abre freqüências, abre seu espaço aéreo, volume de tráfego, padrões de segurança que precisam ser negociados em cada país. Temos negociado com autoridades locais para padronizar procedimentos antes de discutir liberação de preços e de freqüências. A questão tarifária a gente já aprovou em resolução que foi para consulta pública e foi aprovada e entra em vigor dia 1 º de janeiro de 2009 com desconto de 20% dos preços. A partir de 1º de abril de 2009, 50% de desconto. Em 1º de julho de 2009, 80% e no dia 1º de janeiro de 2010, liberdade tarifária total.

A liberação de tarifas para a América do Sul não mexeu nos preços para o consumidor. Por que?

SOLANGE: As freqüências de vôos para o nosso principal mercado na América do Sul, que é a Argentina, não comporta mais espaço para queda de preços porque a demanda é muito grande. Para os Estados Unidos não temos freqüência sobrando do lado americano. Mas para a Europa a gente espera que apareçam alguns descontos. Já ouvi que a British fará descontos.

Como vocês estão se preparando para enfrentar o movimento nos aeroportos neste fim de ano com ameaça de greve? Vai ter novo caos aéreo?

SOLANGE: Não temos informações de que a greve se desenvolveu. Mas, a princípio, a paralisação seria do dia 24 para dia 25, que normalmente tem fluxo de passageiros muito reduzido.

Em relação ao caos aéreo de 2006, por que ninguém foi punido até agora?

SOLANGE: De caos aéreo, nada foi julgado e punido ainda. Uma coisa que nos incomoda muito é o volume de autos de infração. São 29 mil processos. Montamos juntas de julgamento e recursos e começamos a colocar isso em votação, mas a nossa prioridade são os processos que vão prescrever. A preocupação é acabar o mais rápido possível e dizer que, no meio do ano que vem, somente os processos do ano estarão em julgamento.