Título: Escândalos numa terra sem lei
Autor: Braga, Isabel, Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 21/12/2008, O País, p. 3

Cidade goiana assolada por corrupção na Câmara pode ganhar mais dez vereadores

Maria Lima

BRASÍLIA. A 50 quilômetros de Brasília, Águas Lindas de Goiás é uma terra sem lei, onde a Força Nacional teve que atuar para controlar a criminalidade, dominada por sucessivos escândalos de corrupção envolvendo a prefeitura e a Câmara de Vereadores. Com miséria generalizada, serviços precários de saneamento, educação e saúde, e os mais altos índices de violência do entorno da capital federal, a cidade goiana tem 11 vereadores. E se a emenda constitucional dos vereadores for definitivamente aprovada, esse número vai dobrar: a Câmara de Águas Lindas passará a ter 21 cadeiras.

Na última sexta-feira à tarde, o cirurgião Weber Rezende, sem receber salário há quatro meses, era o único que tentava atender situações de extrema emergência no Hospital Bom Jesus.

- Já atendi mais de 50 hoje. Morto daqui ninguém sai, mas só estou podendo atender criança com 39 graus de febre para cima, convulsionados, infartados. O que não for extrema emergência, não atendo - contou o médico.

O Ministério Público de Goiás investiga um vídeo que circula em cada esquina da cidade. Mostra quatro vereadores recebendo dinheiro de uma pessoa que seria emissária do prefeito José Pereira Soares (DEM), para impedir a instalação de um pedido de cassação de seu mandato por improbidade administrativa. Soares foi afastado por 24 horas por determinação da Justiça, mas não chegou a ser investigado pela Câmara. Um dos vereadores que aparecem no vídeo (exibido no YouTube) recebendo um pacote de dinheiro é o Pastor Ednelson (PRB).

- Todo mundo tem esse vídeo aqui e eu até botei na internet. Quando entrega o pacote de dinheiro para o Ednelson, esse emissário pergunta se ele não queria conferir. Ele responde que não, que se der para pagar a prestação do seu carro, tudo bem. Nessa câmara acontece de tudo - diz o servidor Expedito Oliveira, filiado ao PSOL, que acompanha os trabalhos da Câmara.

- É um insulto ver vereadores recebendo dinheiro em galpões e postos de gasolina. A gente se sente impotente. O hospital está em situação caótica, e agora vêm com essa de aumentar mais 11 vereadores? Para pagar o médico não tem dinheiro, mas para mais vereadores tem? - lamenta Anivaldo Magalhães, presidente da ONG Sociedade Organizada de Águas Lindas.

O MP ainda não tomou uma atitude concreta contra os envolvidos, com o argumento de que o CD original não apareceu, e que, apesar das imagens, as falas podem ter sido montadas. Pastor Ednelson não foi reeleito. Teve 862 votos, é suplente e espera assumir com a aprovação da emenda.

- Achei ótima a votação do Senado. Como sou suplente, vou assumir em fevereiro. Vamos conversar com o pessoal do Poder Judiciário para desocupar a parte de cima do Fórum, para caber todo mundo - disse Ednelson.

A Câmara de Águas Lindas tem orçamento mensal de R$210 mil; 70% para o pagamento de subsídio dos vereadores, cada um com sete funcionários. Semana passada, eles aprovaram um aumento de seus vencimentos de R$4.200 para R$6.300.

A relação da maioria dos vereadores com o prefeito José Pereira Soares é de total submissão. E as votações acontecem de acordo com os interesses da hora. São cinco sessões mensais. E regras não são obedecidas. Um projeto aprovado na manhã de sexta-feira, por exemplo, voltou à pauta à tarde e foi rejeitado. O projeto permitia ao prefeito pagar uma dívida de R$33 milhões com a empresa Caenge Ambiental - que faz a coleta de lixo - dando-lhe em troca 42 terrenos de área pública.

- Aqui não se respeita regimento, pedido de vista, comissão, regra nenhuma. É uma vergonha! - admite o vereador Aderson da Modele (PSB).