Título: Apesar da crise, fúria por cargos
Autor: Braga, Isabel, Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 21/12/2008, O País, p. 3

FARRA FISCAL

Projetos que aguardam votação na Câmara criam mais 37 mil vagas, a R$1,3 bi por ano

Isabel Braga e Cristiane Jungblut

Depois de um ano de trabalho que resultou na criação de pelo menos 70 mil cargos só no Executivo, estão na fila para votação da Câmara dos Deputados outros 51 projetos que tentam criar mais 37 mil cargos na administração pública. O impacto financeiro, se todos forem aprovados, é estimado em R$1,3 bilhão ao ano. Entre os projetos, 28 criam quase 17 mil cargos no Executivo. Os outros 21 abrem cerca de 20 mil novas vagas no Judiciário.

No caso do Judiciário, o impacto estimado é de R$514,5 milhões. No Executivo, de R$795,6 milhões. A maioria dos 51 projetos ainda tramita nas comissões permanentes da Câmara, especialmente na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), responsável por avaliar se as propostas obedecem aos critérios previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O levantamento sobre o total de cargos previstos em projetos de leis e o custo deles é da assessoria do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), um dos mais vigilantes no Congresso contra o aumento de gastos públicos. Em sessão da CFT, quarta-feira, por exemplo, o tucano questionou a legalidade de um projeto que cria 7,8 mil cargos efetivos e 600 comissionados para o Ministério da Educação, e conseguiu evitar sua apreciação. Alegou falta de rigor técnico do projeto, por não apontar a fonte permanente de receita para tal despesa.

- O projeto é muito genérico. É como se o Congresso desse um cheque em branco para que o governo crie os cargos quando quiser - criticou Madeira. - O Congresso não está estabelecendo seu papel de rigor na criação de cargos, de autorização de despesas permanentes pelo Executivo apenas quando tiver fonte permanente. Não estamos preocupados com a regra que criamos na Lei de Responsabilidade Fiscal, de deixar as coisas bem claras.

Alheio à crise financeira internacional, o governo manteve a politica de aumento de cargos e de reajustes salariais para o funcionalismo. Os impactos da criação desses cargos serão sentidos até 2011 e 2012, quando já terá assumido o novo presidente da República. Só quatro medidas provisórias de reajuste e criação de vagas geraram despesas de R$11,2 bilhões em 2008 e custarão R$29 bilhões em 2009.

"Temos que qualificar o serviço público"

O governo sustenta que os reajustes e os novos cargos fazem parte da política de valorização do servidor público. Mas, precavido, o Planalto criou um artifício jurídico que permite a suspensão dos pagamentos futuros, caso haja necessidade de cortar despesas. O "guarda-chuva", como é chamado por governistas, prevê que os pagamentos escalonados para 2009, 2010, 2011 ficam condicionados à "existência de disponibilidade orçamentária e financeira".

O deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) argumenta que o governo, diante da crise econômica, deveria congelar as vagas já aprovadas. Aleluia tem sido um dos principais críticos em plenário dessas votações, mas se sente isolado. Ressalvando o esforço do colega Arnaldo Madeira, diz que no PSDB a maioria acaba votando a favor, com medo da reação dos servidores.

- Espero que o governo decida mudar a orientação para sua base (sobre aprovação de novos cargos). A sociedade não suporta. Acredito que a cada emprego que se cria no governo, se destrói meia dúzia na iniciativa privada. Por isso, espero que ele contingencie as vagas, como faz com as verbas do Orçamento - disse Aleluia.

Os líderes do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), e do PT , Maurício Rands (PE), defendem as propostas, com o argumento de que a concepção de Estado do governo do PT é diferente da do governo passado.

- Temos que qualificar o serviço público - diz Fontana, que defende, sobretudo, novos cargos na área da Educação.

O economista Raul Velloso prevê que o governo, com a crise, será forçado a ajustar o Orçamento, inclusive despesas com funcionalismo:

- O governo ainda não está considerando que a crise vai exigir um corte no país como um todo e, principalmente, no Estado. Não é justo o setor privado cortar e o setor público, não. É preciso entender que a crise veio e o mundo mudou.

Dos 51 projetos pendentes de votação, 21 foram enviados ao Congresso pelo Tribunal Superior do Trabalho. Criam cerca de 5 mil postos em TRTs, como os de São Paulo e Goiás. A assessora de relações institucionais da Justiça do Trabalho, Clara Maria Alves de Souza, afirma que os projetos (alguns tramitando desde 2001), passaram pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e Conselho Nacional de Justiça:

- São demandas diferentes. Há TRTs que não pedem novos cargos há 15 anos. Em outros, a criação de varas de Justiça do trabalho gerou a necessidade de novos cargos. Nem todos os cargos serão preenchidos em 2009.