Título: Governo manobra e edita MP para dar R$14 bi a cofrinho de Fundo Soberano
Autor: Doca, Geralda; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 27/12/2008, Economia, p. 20

Dinheiro será gasto em investimento em 2009 e oposição vai recorrer ao STF

Geralda Doca e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Para garantir ao Fundo Soberano do Brasil os R$14,2 bilhões que havia planejado, e possibilitar investimentos maiores em 2009, o governo alterou o texto aprovado no Congresso Nacional e vai emitir títulos da dívida para capitalizar o novo instrumento. A Lei 11.887, que cria a poupança fiscal, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada ontem no Diário Oficial da União. Mas ela veio acompanhada da Medida Provisória 452, que autoriza a emissão de papéis, possibilidade vetada na lei construída pelos parlamentares. DEM, PSDB e PPS vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A manobra foi uma resposta ao Congresso, que aprovou a criação do Fundo, mas, por articulação da oposição, não votou o projeto que destinava ao "cofrinho" - como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, batizou o Fundo - o 0,5% do Produto Interno Bruto (ou R$14,2 bilhões) que está sendo economizado além da meta de superávit primário (antes do pagamento de juros da dívida) de 3,8%.

Sem a MP, o governo viraria o ano sem poder gastar a reserva na execução de uma política anticíclica, em meio à desaceleração econômica e à queda de arrecadação.

A primeira opção do Executivo seria convocar uma sessão extraordinária do Congresso, o que seria impraticável. A segunda era editar uma MP transformando o 0,5% excedente do superávit em despesa, por meio de uma MP com um crédito extraordinário. Porém, prevaleceu a avaliação de que ela seria questionada, pois o STF já decidira antes que MPs não podem ser usadas para este fim.

Superávit maior eliminará nova dívida, diz governo

Foi criada então uma alternativa técnica, pela qual o governo aumenta a dívida em R$14,2 bilhões, mas entrega um superávit maior, no mesmo valor, para que o impacto no endividamento seja nulo.

- O objetivo ao se publicar a lei e a MP (452) é único e exclusivamente o de viabilizar a poupança, com função anticíclica. A MP foi a opção técnica para viabilizar o fundo neste exercício (ainda em 2008) - afirmou o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Cleber Oliveira.

A oposição, pega de surpresa pela manobra, consultou advogados, achou brechas e promete ingressar na segunda-feira no STF com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a MP. DEM, PSDB e PPS argumentam que Lula não respeitou a vontade do Congresso. Há ainda um argumento técnico:

- O presidente da República cometeu fraude ao sancionar lei aprovada pelo Congresso e no mesmo Diário Oficial editar MP alterando o texto desta lei. É inconstitucional legislar por MP - disse o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

Entre os argumentos jurídicos que deverão ser apresentados na Justiça está o de que uma medida provisória só pode ser publicada após a edição da lei. Além disso, o texto da ação ressaltará que a Constituição proíbe a edição de MP sobre matéria "já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República".

- Para evitar que o Congresso recorresse ao Supremo, o governo inventou essa fórmula. Queremos transparência e discussão - afirmou o senador Sergio Guerra (CE), presidente nacional do PSDB.

Embora a MP não tenha fixado limite para a emissão dos papéis nem se referido aos R$14,2 bilhões, Oliveira garantiu que este será o montante. Ele afirmou que os papéis serão emitidos a favor do FSB, cujas quotas serão integralizadas num segundo fundo, o Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), braço operacional do novo sistema e que será administrado pelo Banco do Brasil.

Economista alerta sobre custo maior do dinheiro

Além de papéis públicos, poderão constituir o Fundo recursos do Tesouro Nacional previstos no Orçamento, ações de sociedade mista federal excedentes ao necessário para manter o controle da União e resultados de aplicações financeiras.

A verba será para "promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do país localizados no exterior".

Segundo Oliveira, o governo não pretende usar os recursos para intervir no câmbio. Ao menos por enquanto. Essa possibilidade está prevista na legislação e era um dos objetivos principais do novo mecanismo, além de financiar empresas brasileiras no exterior, quando o Fundo foi anunciado, em maio.

Caberá ao Conselho Administrativo, composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, definir critérios de investimento e dos projetos.

O secretário-adjunto do Tesouro garantiu que a emissão dos títulos não terá impacto na dívida. Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas da UFRJ, concorda. Mas ressalva que as emissões terão um custo (por exemplo a Taxa Selic) que dificilmente será coberto pela remuneração dos projetos nos quais o Fundo aplicar.