Título: O exemplo coreano
Autor: Mendonça, Claudio
Fonte: O Globo, 23/12/2008, Opinião, p. 7

A Coréia é a nação mundialmente reconhecida por ter se transformado no mais importante tigre asiático e feito uma reforma educacional a partir do zero. Literalmente. Durante a década de 60 a nação lutou contra uma situação de pobreza absoluta. Na década seguinte o desenvolvimento econômico, sustentado em largas jornadas de trabalho, disciplina e dedicação dos trabalhadores, impulsionou a educação e, até 1987, foram feitos importantes ajustes estruturais. Nos últimos 30 anos, as matrículas nas universidades aumentaram 12 vezes, e a totalidade dos estudantes que começam o ensino fundamental conclui o ensino médio.

Um dos eixos fundamentais da política educacional coreana é a questão da eqüidade, que significa garantir que todas as crianças atinjam aceitáveis níveis de desempenho, apoiando escolas, turmas e alunos com dificuldades que podem ter causas sociais, emocionais, psíquicas ou neurológicas, diante do processo de aprendizagem. As famílias cultivam uma enorme expectativa em relação a seus filhos, o que transforma o conjunto da sociedade numa silenciosa, mas histérica, competição, despejando enorme pressão sobre seus jovens.

Um aspecto importante é que a responsabilidade pela educação nunca ficou a cargo exclusivo do governo, de suas escolas e funcionários públicos. Os pais sempre tiveram de aportar recursos financeiros à custa de um enorme esforço pessoal para garantir a eficácia do sistema educacional, ao menos para seus próprios filhos. Imaginemos se as famílias brasileiras separassem 20 por cento de seus salários à custa de enormes privações e destinassem essa importância a aulas particulares e atividades extraclasse de seus filhos, exatamente como muitas famílias das classes mais favorecidas fazem. E se as famílias pobres decidissem exigir um pouco mais dos professores. E ainda se educassem seus filhos a terem atitudes na escola que os favorecessem na aprendizagem com vistas a conseguir uma vaga numa universidade de qualidade em uma carreira que lhes garantisse um bom lugar no mercado de trabalho?

Pois bem, na Coréia esse parece ter sido o caminho. Lembremos que no Brasil quando uma mãe, rica ou pobre, contrata uma professora particular ou explicadora para seu filho, costuma observar o horário de início e término da atividade, se o tempo gasto está efetivamente sendo bem aproveitado e se o esforço financeiro dela e pessoal da criança irá surtir efeitos na nota necessária a passar de ano, ou seja, no que ela imagina ser a aprendizagem. É a postura razoável de se ter em relação ao tempo regular da escola, seja ela pública ou privada, na medida que é essa mãe que a sustenta com os recursos de seu trabalho. Parece possível supor a necessidade de se desenvolver um programa de governo voltado para o apoio às crianças com baixo desempenho em casa, ajudando no dever, revisão da matéria, postura em relação à escola, desenvolvimento de hábitos familiares favoráveis ao sucesso escolar. Algo como um Professor de Família.

A decisão das nações em promover a eqüidade através da educação, buscando garantir a igualdade de oportunidades, com medidas eficazes de apoio às escolas de alunos de baixo poder aquisitivo, surtiu muito melhor efeito do que os países que preferiram gastar recursos com auxílios institucionais, caridade governamental ou assistência social sem qualquer sustentabilidade.

Dentro desse contexto, a competitividade emerge como um elemento-chave para a prosperidade e mesmo a sobrevivência do país. A produção de recursos humanos de excelente qualidade passa a ser a missão fundamental do processo educacional, e o incremento da competitividade pela produção de força de trabalho de altíssimo nível emerge como um tema premente em toda a nação. Será necessário ir mais longe e atingir o "ganho autêntico de conhecimento". Para que isso aconteça é absolutamente necessária uma melhoria qualitativa do sistema educacional dentro de uma nova perspectiva. Na Coréia a mais importante decisão foi extrair o máximo das potencialidades humanas. Como o planeta faz diferentes exigências de capital humano, apenas o processo educacional pode dotar um país de rápida capacidade de adaptação às mudanças, superando crises com os olhos voltados para o futuro.

CLAUDIO MENDONÇA é presidente da Escola de Governo do Estado do Rio e da Fundação Centro de Informações e Dados do Rio.