Título: Chávez se apressa e marca referendo
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 23/12/2008, O Mundo, p. 25

Presidente atropela trâmites constitucionais e determina que consulta sobre reeleição indefinida acontecerá em 15 de fevereiro

Dois dias depois de ter prometido aos venezuelanos um "recesso de Natal", o presidente Hugo Chávez mudou de idéia e anunciou a data do referendo sobre seu projeto de emenda constitucional para permitir a polêmica reeleição indefinida. O líder venezuelano passou por cima do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão encarregado de estabelecer os calendários eleitorais do país, e afirmou que o novo referendo, já aprovado em primeira votação pela Assembléia Nacional (o congresso venezuelano), será no próximo dia 15 de fevereiro.

A segunda e última votação parlamentar está prevista para a primeira quinzena de janeiro e somente depois dela o CNE pode, num prazo máximo de 30 dias, marcar a data do referendo. A atitude do presidente foi questionada por representantes de ONGs locais.

- A arbitrariedade é uma das principais características deste governo, combinada com o silêncio oficial dos órgãos que deveriam atuar nas áreas nas quais o presidente se intromete - disse ao GLOBO Ignácio Ávalos, diretor da ONG Olho Eleitoral, um dos principais grupos de observação eleitoral independente do país.

Segundo Ávalos, "a data será, finalmente, a mesma ou outra muito próxima a que foi divulgada por Chávez, mas cabe ao CNE informar isso". Para o presidente, o novo referendo passou a ser sua principal preocupação. Nem mesmo a queda do preço do petróleo, principal fonte de financiamento do Estado venezuelano, parece importar mais do que a campanha para garantir sua permanência no Palácio Miraflores.

- Para vocês (o dia 15 de fevereiro) vem a calhar, senhores do "esqualidismo" (os antichavistas são chamados de esquálidos pelos chavistas). Não se trata de Chávez, senão dos filhos, dos netos. Daqui a 20 anos eu vou embora, porque (esses 20 anos) são necessários para aprimorar a revolução - disse o líder bolivariano, que finalizará seu segundo mandato em 2012, caso seja derrotado no referendo.

Nas eleições presidenciais de 2006, Chávez foi reeleito com 7,3 milhões de votos. Um ano depois, o presidente perdeu o referendo sobre seu projeto de reforma constitucional (em grande medida pela alta rejeição à proposta de reeleição indefinida) com pouco mais de quatro milhões de votos. Nas eleições regionais de novembro, o chavismo obteve em torno de 5,5 milhões de votos, superando a oposição, que alcançou 4,2 milhões. No entanto, candidatos opositores passaram a governar cinco estados de peso, que representam 45% da população e 70% do PIB.

- Não tem desculpa, há dois anos votaram em mim 7,3 milhões de eleitores. Não aspiro a menos do que isso. Continuamos buscando os 10 milhões de votos - enfatizou.

Pesquisas apontam derrota do presidente

Segundo analistas locais, se o referendo fosse hoje, Chávez sofreria um novo revés. A última pesquisa divulgada em Caracas, realizada pela empresa de consultoria Hinterlaces, indicou que 62% dos venezuelanos são contra a proposta de reeleição indefinida. Porém, explicou o diretor da Hinterlaces, Oscar Schémel, "tudo dependerá da estratégia do presidente".

- Hoje Chávez perderia, mas, se o presidente adotar um discurso democrático, poderia virar o jogo - afirmou Schémel, por telefone.

O discurso de domingo, no entanto, quando o presidente anunciou que pretende desapropriar o Shopping Sambil, em Caracas, para montar uma "unidade social", provocou críticas em Caracas, especialmente da Câmara de Comércio da capital.

- É uma medida irresponsável. Com isso, o presidente será o responsável pela perda de pelo menos três mil empregos diretos, sem contar os indiretos. Ele estará contribuindo para a pobreza - disse o diretor da câmara, Víctor Maldonado.