Título: A roubalheira não acontece só em Brasília
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 28/12/2008, O País, p. 4

BRASÍLIA. Para o coordenador de Projetos da Transparência Brasil, Fabiano Angélico, o combate à corrupção na esfera federal avançou, mas ainda é tímido diante da quantidade de relatos sobre desvio de dinheiro público que a ONG recebe. Ele sustenta que a situação é ainda pior em estados e municípios, inclusive em unidades mais ricas da federação como São Paulo, Rio e Minas Gerais. Para Angélico, o descalabro é tamanho que atinge até os tribunais de contas, órgãos responsáveis pelo zelo das contas públicas. Angélico diz que, se 80% deles fossem fechados, ninguém sentiria falta.

Jailton de Carvalho

O número de 745 servidores respondendo a sindicâncias e processos após terem sido flagrados pela PF é significativo?

FABIANO ANGÉLICO: Esse tipo de avaliação só é possível fazer comparativamente. Se você comparar com relatos de atos de corrupção e com as várias possibilidades de corrupção no dia-a-dia, isso deixa o 700 e pouco no lençol. Uma outra perspectiva é você comparar com o zero que havia há poucos anos. É um passo na direção certa, mas ainda tímido.

A corrupção é ainda muito intensa no serviço público?

ANGÉLICO: É impossível de responder. A corrupção é algo que ocorre às escuras e são milhões de possibilidade de corrupção por dia.

E em relação ao combate à corrupção, é possível mensurar?

ANGÉLICO: Sim. Há duas maneiras de se combater a corrupção: punição e prevenção. Consideramos que pelo viés da repressão tem havido avanços. As operações da PF e algumas ações da CGU têm sido positivas. Também o Poder Judiciário, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, tem tido ações interessantes.

Mas na prevenção...

ANGÉLICO: Ainda estamos longe de um cenário ideal. O próprio fato da Controladoria-Geral ser subordinada à Presidência da República é negativo. Ela dita normas a todo o governo federal, mas é o mesmo que nada. Não tem poder de virar para o ministério e dizer "faça isso".

Não pode obrigar o ministério a adotar medidas contra a corrupção?

ANGÉLICO: Como é subordinado à Presidência e é pequeno, não tem poder sobre os ministérios. É algo que precisa ser corrigido.

E como está o combate à corrupção nos estados e municípios?

ANGÉLICO: Está muito aquém do ideal. Não acontece nada. Não há nenhum projeto de combate à corrupção, não há punição. A sociedade brasileira precisa cobrar. A roubalheira não acontece só no governo federal, só em Brasília, no Congresso Nacional, no Judiciário.

A corrupção é mais em estados e municípios pobre ou em todos?

ANGÉLICO: Em todos. São Paulo tem um terço do PIB brasileiro, mas não se vê no governo estadual nem no município uma medida mais aguda de combate à corrupção. Nem tampouco no governo do Rio, de Minas, da Bahia. Nos estados e municípios, você tem uma situação de descalabro total.

E o papel dos tribunais?

ANGÉLICO: Se fechassem 80% dos tribunais de conta estaduais e municipais, não iriam fazer muita falta. Estão loteados politicamente. Os conselheiros são indicados, são ex-parlamentares que não ganham mais nenhuma eleição e são presenteados com cargo vitalício.