Título: Médicos formados em Cuba enfrentam polêmica
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 28/12/2008, O País, p. 12
Ministro da Saúde defende validação dos diplomas de 300 profissionais, mas Conselho de Medicina é contra.
BRASÍLIA. Com um modelo de atendimento básico em saúde tido como dos mais avançados do mundo, Cuba formou nos últimos nove anos cerca de 300 médicos brasileiros. Mas a boa reputação não basta. A grande maioria desses graduados - que estudaram beneficiados por bolsa na Escola Latino-americana de Medicina (Elam), em Havana-, não exerce a profissão no Brasil devido a barreiras que enfrentam para legalizar o diploma, que precisa ser revalidado em universidades brasileiras. No máximo, 50 deles, que representam 15% do total, ultrapassaram essa fase e atuam na área.
Desde o final da década de 90, a Elam oferece bolsas de estudos para estudantes carentes de 35 países. No Brasil, as bolsas são distribuídas para partidos políticos, centrais sindicais e movimentos sociais brasileiros. Legendas mais afinadas com o modelo de gestão cubana, como o PCdoB e o PT, são as maiores beneficiadas. Mas há alunos indicados por PDT, PSB e até mesmo por PSDB e DEM.
Conselheiro diz que formação é deficiente
A bolsa cubana inclui ainda gastos com alimentação, moradia e um modesto kit de higiene pessoal, com sabonete, toalha, aparelho de barba e absorvente. A passagem de ida para Cuba é paga pelo próprio aluno.
Gabriella de Oliveira Ribeiro, de 27 anos, formou-se na Elam em 2006 e ainda não conseguiu legalizar seu diploma no Brasil. Ela vive em Brasília e, para custear suas despesas, deu aulas de espanhol. Uma queixa geral dos brasileiros formados em Cuba é que as provas para validar o diploma são mais severas que as destinadas aos recém-formados que tentam residência médica. Gabriella disse ser frustrante ter um diploma e não poder exercer a profissão.
- É uma frustração ser formada em medicina e estar impedida de ser médica. Ver uma pessoa se sentindo mal e, se você atendê-la, poder estar cometendo um crime - disse Gabriella, que recebeu a bolsa no governo Fernando Henrique Cardoso, do então ministro da Educação, Paulo Renato Souza.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) é o grande opositor da legalização do diploma cubano e faz campanha contra a sua revalidação. O vice-presidente do conselho, Roberto D"ávila, nega que se trata de reserva de mercado aos brasileiros formados no Brasil. Afirma que os alunos formados em Cuba não são bem preparados.
- São alunos que não conseguiram passar no vestibular aqui e vão para lá. O ensino lá é deficiente. Nunca estagiaram em emergência, por exemplo. Não somos corporativistas, isso é uma bobagem. O que não podemos é arriscar entregar a saúde da população para esses médicos despreparados. O exame tem que ser muito rigoroso - diz D"Ávila.
Parentes dos alunos e de formados criaram a Associação de Pais e Apoiadores dos Estudantes Brasileiros em Cuba (Apac), que luta para que o governo legalize a situação desses novos médicos. Para a entidade, a postura do CFM é preconceituosa.
- Nosso pessoal é de família proletária e, não bastassem as dificuldades naturais de se fazer um curso que exige muito do aluno, ainda têm que enfrentar preconceitos de classe - diz Afonso Magalhães, da Apac.
O Ministério da Saúde pretende regularizar, ainda em 2009, a situação desses 300 médicos. A diretora de Gestão e Educação na Saúde, Ana Estela Haddad, explicou que dezesseis universidades federais e estaduais irão participar desse processo.
- É grande a responsabilidade. Estamos lidando com uma profissão que é vital. Vamos realizar uma prova justa, que avalie a real condição do médico, mas que não cometa injustiça. Não defendemos a revalidação automática - disse Ana Estela.
A diretora reconhece que hoje a situação desses médicos é delicada e que eles enfrentam muitas dificuldades para legalizar seus diplomas. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, já declarou ser a favor da revalidação do diploma e o aproveitamento desses médicos no Programa Saúde da Família (PSM). Mas é preciso aprovar uma regulamentação no Congresso, onde o lobby contrário é muito forte. Com a regulamentação haveria critérios para as provas aplicadas por universidades federais, consideradas mais difíceis para os estudantes cubanos.
Fidel e outros dirigentes cubanos visitam alunos
Filiada ao PCdoB, a médica Keilla de Freitas, indicada pelo partido, formou-se na Elam em 2006 e ainda não revalidou seu diploma no Brasil.
- Se não fosse a Elam, muitos de nós não teríamos condição de sequer fazer medicina em escola pública aqui no Brasil, onde os livros são muito caros - disse Keilla.
Na Elam, os estudantes recebem visitas freqüentes de dirigentes políticos, que enaltecem o regime implementado por Fidel Castro.
- O Fidel esteve lá uma vez e comentou que sabe que faltam médicos nas regiões mais pobres do nosso país - contou Gabriella.