Título: Crise tira FMI do fundo do poço
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 29/12/2008, Economia, p. 17

Instituição sairá de um déficit de US$294 milhões para lucro de US$11 milhões em 2009.

Acrise financeira, que tanto desemprego e prejuízo vem causando em todo o mundo, está sendo recebida com indisfarçável - ainda que publicamente contido - entusiasmo de pelo menos uma instituição multilateral e seus 2.600 funcionários: o Fundo Monetário Internacional (FMI). Graças à crise, que já provocou recessão nos Estados Unidos, Europa e Japão, o Fundo saiu do buraco. Ao realizar dias atrás uma revisão de suas próprias contas, os economistas da casa notaram com satisfação que o FMI - que tinha projetado um déficit pelo menos até 2011 - acaba de sair do vermelho.

A virada foi espetacular. Em vez de um déficit de US$294 milhões, que havia sido estimado em abril passado - início do ano fiscal de 2009 do Fundo - a perspectiva agora é de que o período seja fechado com um lucro (renda líquida) de pelo menos US$11 milhões. Ele poderá ser ainda maior caso a crise financeira se agrave.

É dela, afinal, que o FMI se beneficia. Pois, devido às dificuldades causadas pela crise, os países se vêem obrigados a recorrer aos cofres do Fundo. A instituição se mantém graças aos juros cobrados por seus empréstimos. E até que a crise começasse a se aprofundar eles eram muito pequenos.

Até meados de outubro passado, o Fundo - que dispõe de US$250 bilhões para emprestar - tinha apenas US$11,4 bilhões em mãos de alguns países, rendendo juros. Isso não rendia o suficiente para bancar as suas próprias despesas, como salários, manutenção da sede e custos de viagem de técnicos.

Em novembro, órgão voltou a emprestar

O cenário começou a mudar para o FMI logo no início de novembro. No dia 5, a Ucrânia solicitou US$16,4 bilhões. No dia seguinte, a Hungria levou US$15,7 bilhões. No fim do mês, a Islândia obteve US$2,1 bilhões e o Paquistão requisitou US$7,6 bilhões. Pouco antes do Natal foram aprovados mais três empréstimos: US$800 milhões para El Salvador, US$2,4 bilhões para a Letônia e US$100 milhões para o Quirguistão.

- Ninguém quer a desgraça dos outros, mas o nosso ganha-pão, infelizmente, é garantido pelas dificuldades financeiras enfrentadas pelos países emergentes - disse ao GLOBO um funcionário do FMI em outubro.

Consultado novamente, às vésperas do Natal, quando o Fundo fez uma revisão das contas do primeiro semestre do seu ano fiscal de 2009, o mesmo economista comentou:

- Voltamos a respirar!

Trata-se de um assunto tratado com uma cuidadosa e conveniente dose de discrição pelo FMI, para não passar a impressão de que a entidade está torcendo para que a crise se prolongue. A nota oficial anunciando que "a perspectiva de renda para 2009 melhorou" explica isso como "resultado da nova atividade de empréstimos associada ao tumulto nos mercados financeiros globais".

Os novos empréstimos devem gerar uma renda adicional de US$247 milhões para o FMI. A instituição também contou com uma injeção um pouco maior de ganhos obtidos através de investimentos que fizera no mercado de ações: isso rendeu US$267 milhões no primeiro semestre do ano fiscal.

A volta ao superávit foi auxiliada também por cortes de despesas: US$35 milhões. Pelos cálculos do FMI, se daqui até abril surgirem novos empréstimos e eles forem US$7 bilhões superiores ao total estimado para o ano fiscal (essa cifra não foi revelada), o Fundo obteria um lucro extra de US$61 milhões.

A situação vinha se complicando desde o início de 2007 com a drástica redução dos empréstimos. Em 2003, havia US$70 bilhões em mãos dos governos necessitados. Em abril daquele ano, o volume baixou para US$7,3 bilhões, depois que Brasil e México, entre outros, anteciparam o pagamento do que deviam.

Diante disso, a direção do FMI decidiu cortar custos. Gastos com viagens foram reduzidos em 6%. O número de funcionários foi reduzido, através da oferta de aposentadoria precoce: 107 saíram. Os salários, no entanto, continuaram em alta.

O diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn, por exemplo, teve um aumento de US$16.753 em seu salário anual - que passou para US$420.930. Como ele também recebe US$70.070 como "ajuda suplementar", passou a ganhar US$491 mil anuais (ou US$40,9 mil mensais).