Título: Festival de previsões furadas
Autor: Rosa, Bruno; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 30/12/2008, Economia, p. 19

Crise mundial derruba cenário traçado por economistas no início do ano

Bruno Rosa e Patrícia Duarte

Oano de 2008 foi atropelado por duas crises - primeiro a dos alimentos, que pressionou a inflação em boa parte do ano, e, a partir de setembro, a do mercado financeiro - e entre as vítimas estão as projeções de bancos, consultorias, instituições acadêmicas e até do governo. Para 2009, o cenário não deve ser diferente. Os economistas estão refazendo seus cálculos, mas com extrema cautela e alertando para novas mudanças ao longo dos próximos meses. A previsão do Banco Santander para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) no ano que vem, por exemplo, já caiu à metade: de 4% para 2%.

- O ano de 2008 surpreendeu, com a pressão das commodities e da demanda. Com a crise, houve uma reversão forte, e o crescimento vai desacelerar - diz Heloisa Rodrigues, economista do Santander.

- O ano de 2008 foi muito difícil para fazer projeções, porque houve muitas incertezas. E para o próximo ano, elas continuam - afirma o economista-chefe do Itaú, Tomas Málaga, referindo-se aos futuros efeitos da crise.

A maior surpresa foi o câmbio. A maioria das apostas feitas ao fim de 2007 era de que o dólar fechasse este ano em R$1,80 - a divisa encerrou ontem cotada a R$2,415. Um erro de 33% no cálculo. Na pesquisa Focus do Banco Central (BC), que ouve semanalmente cerca de 80 instituições financeiras, a primeira projeção feita em 2008 para o dólar em 2009 era de R$1,90. Agora, subiu para R$2,25.

Fuga de investidores afetou câmbio

A crise internacional, explicam os analistas, é a causa dessa mudança radical. Isto porque a turbulência acabou levando investidores estrangeiros a se desfazerem de suas posições no mercado interno, puxando as cotações da moeda americana.

- Ninguém esperava que o dólar fosse subir tanto. Esta é a grande dúvida para 2009. Fora isso, a taxa básica de juros e o PIB não ficaram muito longe das estimativas. Já se sabia no fim do ano passado que a Selic aumentaria para reduzir o crescimento econômico - diz Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC) e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Com o câmbio mais pesado, vários reflexos foram sentidos em outros indicadores, como balança comercial. No início de 2008, segundo o Focus, o mercado esperava que as exportações superassem as importações em US$31,9 bilhões para o ano e, agora, a estimativa caiu para US$24 bilhões. Para 2009, as contas passaram de US$25,8 bilhões para US$15 bilhões.

Esse desempenho acaba acertando em cheio a conta corrente do país, onde entram as transações do Brasil com o exterior. Agora, o mercado fala em déficit de US$29 bilhões em 2008, sendo que em janeiro o saldo negativo previsto era de só US$4,35 bilhões.

- Além da balança comercial, houve muita remessa de lucros e dividendos de multinacionais instaladas aqui. Com a crise, muitas delas enviaram dinheiro para suas matrizes - explicou o economista-chefe do banco Schahin, Sílvio Campos Neto.

Muitas dúvidas para 2009

Sem tanta influência da crise, outros indicadores deram um verdadeiro drible no mercado e até no governo em 2008. Exemplo é o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). O primeiro Focus do ano trazia projeções de expansão de 4,5%, igual à feita pelo BC e, agora, as contas são de 5,6% para ambos.

Para 2009, o movimento foi inverso, com o mercado iniciando o ano com apostas de expansão de 4,03%. Agora, fala-se em 2,44%. A primeira estimativa do BC, anunciada na semana passada, projeta crescimento de 3,2%, ainda abaixo do número trabalhado pelo Ministério da Fazenda, de 4%.

Os números piores para o próximo ano vêm dos impactos da crise na economia real, sobretudo com a restrição de crédito, que limitam tanto os investimentos das empresas quanto as compras dos consumidores finais. Sobre inflação, o mercado também errou feio: começou 2008 calculando uma alta de 4,30% pelo IPCA e encerrou o período esperando 6,03%.

Para Málaga, do Itaú, ao longo do ano os preços das principais commodities -- sobretudo de alimentos - subiram bastante, até de maneira surpreendente. Nem mesmo o registro recente de preços em baixa vai ajudar no indicador neste ano:

- Também teve a demanda interna mais aquecida, que ajudou a puxar os preços neste ano. Para 2009, pode vir alguma inércia ainda.

Jason Vieira, economista-chefe da consultoria UpTrend, ainda não fechou as previsões para alguns indicadores.

- Para 2009, a grande dúvida é o que vai acontecer nos EUA. É difícil entender também como o BC vai reagir ao cenário para decidir a trajetória de juros - diz Vieira.

Há dúvidas também sobre a taxa básica Selic, cujas projeções vão de 11% a 13,25% ao ano.

- Tudo pode mudar de um mês para o outro. Sabíamos que havia uma crise em gestação, o que ninguém sabia era a intensidade - afirma Fábio Sá Earp, da UFRJ.

IGP-M FECHOU ANO EM 9,81%, A MAIOR ALTA DESDE 2004, na página 20