Título: Satiagraha foi estopim da crise
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 30/12/2008, O País, p. 3

Gestada para apurar supostos crimes financeiros cometidos pelo banqueiro Daniel Dantas, a Operação Satiagraha da PF está no olho do furacão que varreu ontem o delegado Paulo Lacerda da direção-geral da Agência Brasileira de Inteligência. A revelação de que espiões da Abin participaram das investigações gerou uma crise que envolveu o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e três ministros do governo: Tarso Genro (Justiça), Nelson Jobim (Defesa) e Jorge Félix (Gabinete de Segurança Institucional).

Ligado ao delegado Protógenes Queiroz, que comandou a investigação até julho, Lacerda foi acusado de ceder agentes de forma clandestina para atuar no caso. Fazendo coro ao presidente do STF, que concedeu dois habeas corpus para soltar Dantas, a defesa do banqueiro alega que a participação dos arapongas foi ilegal e tornou nulas diversas provas do inquérito. Lacerda diz que a cooperação entre a Abin e a PF obedeceu aos limites da lei e é prevista no Sistema Brasileiro de Inteligência.

As sucessivas convocações para depor na CPI do Grampo e na Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência desgastaram Lacerda e revelaram seu embate com o delegado Luiz Fernando Corrêa, que o sucedeu no comando da PF em agosto de 2007. Afastado do caso, Protógenes acusou os superiores de boicotarem seu trabalho. A Abin colaborou para o clima de desconfiança, ao relutar em admitir a participação de mais de 80 agentes na Satiagraha. O estopim para a queda de Lacerda foi a acusação, publicada na revista "Veja" no fim de agosto, de que agentes da Abin teriam grampeado uma conversa entre o presidente do STF e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O general Félix negou a participação do órgão em escutas ilegais, mas Jobim, ligado a Gilmar, levou o presidente Lula a afastar Lacerda ao acusar a Abin de ter equipamentos capazes de fazer grampos.

Lacerda foi afastado da Abin em 1º de setembro. A geladeira foi prorrogada por mais 60 dias no início de novembro. Ontem, às vésperas do fim do novo prazo, o presidente Lula oficializou a demissão do delegado.