Título: Desafio municipal
Autor:
Fonte: O Globo, 01/01/2009, Opinião, p. 6

Com o fim da ditadura militar, em 1985, a promulgação da Constituição de 1988, e o conseqüente restabelecimento de direitos civis, houve uma natural demanda da sociedade pela descentralização. Vinte e quatro anos, quase uma geração, de controle férreo do país exercido por Brasília e quartéis fizeram a nação ansiar por participação política e livre debate sobre seu destino. Se no plano político-institucional houve avanços saudáveis, e correções de rumo têm sido feitas de maneira madura - como na cassação de Collor -, na esfera da administração pública os anseios foram metabolizados num ciclo de excessiva criação de municípios e gastança desenfreada.

Montou-se uma indústria de produção de prefeituras movida a interesses políticos paroquiais - sempre em nome da descentralização. Como resultado, até que essa indústria fosse contida, na era FH, os 4.180 municípios existentes em 1988 desdobraram-se, em pouco tempo, em mais de mil outros. Hoje, são 5.564.

O resultado da farra é que a grande maioria não sobrevive com recursos próprios, depende de repasses estaduais e federais. E uma parte considerável dos recursos serve para bancar gastos sem qualquer retorno para as populações, como subsídios de vereadores, contratação excessiva de servidores etc.

A distorção deriva do fato de que as unidades da Federação reproduzem quase a mesma estrutura federal: parlamento, tribunal de contas etc. Vem daí, também, o interesse das máquinas partidárias na criação de municípios, ambicionados cabides de emprego de correligionários mantidos à custa do contribuinte.

A conta, com o passar do tempo, foi ficando cada vez mais pesada para a sociedade, porque a descentralização administrativa e da aplicação dos recursos arrecadados nas diversas esferas da Federação não ocorreu junto com aperfeiçoamentos gerenciais na máquina burocrática. Para manter e até aumentar sua fatia no bolo tributário, o Executivo federal criou o artifício das contribuições (CPMF e outras), as quais não precisa compartilhar com estados e municípios. Estes, por sua vez, com exceções, nada fizeram para gastar menos e/ou de forma mais eficiente. Por isso, a carga tributária só aumentou em todos esses anos, e hoje se aproxima de sufocantes 40% do PIB.

Prova dessa cultura deletéria é a tentativa de se recriar quase a totalidade dos cerca de oito mil assentos cortados pela Justiça Eleitoral nas câmaras municipais, para adequar o número de vereadores ao tamanho das populações.

O novo período de quatro anos de administração que se inicia hoje na esfera municipal coincidirá com uma fase problemática da economia, forçada a reduzir o ritmo de crescimento por causa da crise mundial. Será uma fase em que nem todos os gastos imaginados por prefeitos e propostos por vereadores poderão ser financiados pela arrecadação tributária, atingida pelo arrefecimento econômico.

Mais do que nunca, é hora de os municípios demonstrarem uma eficiência geralmente pouco vista nos últimos tempos. E sem elevar impostos. Por ineficaz. Impostos mais altos apenas gerarão mais sonegação, informalidade e, portanto, arrecadação mais anêmica.