Título: Crise ajuda a domar inflação
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 10/01/2009, Economia, p. 21

Alimentos levam IPCA a 5,90% em 2008, o maior desde 2004, mas dentro da meta

Liana Melo

Foi à mesa que o consumidor brasileiro sentiu todo o peso da inflação em 2008, sobretudo nas refeições fora do domicílio. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE, fechou o ano em 5,90% - o maior resultado desde 2004 (7,60%). A inflação ficou acima dos 4,46% registrada em 2007, mas não estourou o teto de 6,5% da meta oficial, como chegaram a prever alguns analistas. É que a crise financeira acabou desmontando a especulação que vinha pressionando os preços dos produtos agrícolas. Ao reduzir o nível de atividade econômica, aqui e lá fora, a crise também acabou aliada do consumidor. Não por menos, em dezembro, o IPCA fechou a 0,28%, muito abaixo do 0,74% do mesmo mês de 2007 e do 0,36% de novembro.

- Os problemas internacionais fizeram com que parte das exportações ficasse no mercado interno. O que acabou aumentando a oferta e provocando uma redução da demanda interna, dificultando os repasses de aumentos de preços - disse Eulina dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE.

O governo comemorou o resultado. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, destacou que "o cumprimento da meta de inflação nos últimos cinco anos mostra que o BC está no caminho certo". Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, cobrou ousadia da autoridade monetária, lembrando que o mundo está reduzindo juros:

- Portanto, é normal, natural e necessário que o Brasil reduza suas taxas de juros.

Índice da baixa renda subiu 6,48%

A variação dos preços só não foi menor porque até a crise estourar, em setembro, os alimentos já acumulavam alta de 9,29%. Mesmo com a desaceleração verificada em dezembro, os alimentos respondem por 41% do IPCA do ano. Só o tomate ficou 108,32% mais caro. O arroz subiu 33,95% e as carnes, 24,02%.

A alta dos preços foi ainda mais penosa para quem ganha até seis salários mínimos: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), fortemente influenciado pela alimentação, fechou o ano em 6,48%.

Marileide da Silva anda fazendo malabarismos para abastecer a despensa da casa. Ela costumava consumir sete quilos de feijão ao mês. Reduziu para cinco. O produto ficou 65,58% mais caro em 2008.

- Peixe, por exemplo, virou comida de rico - reclama Marileide, que sentiu no bolso ainda o peso das refeições fora do domicílio. - Costumava gastar R$8 para almoçar. Estou gastando entre R$12 a R$15.

As refeições fora do domicílio foram responsáveis pela maior contribuição individual (0,55 ponto percentual) ao IPCA, chegando a subir 14,45% em 2008. Entre os itens não alimentícios, os preços administrados foram os que mais subiram: telefone fixo (3,64%), taxas de água e esgoto (7,11%) e remédios (3,96%).

- Apesar dos alimentos terem pressionado a inflação, o resultado do IPCA foi muito bom e espelhou a desaceleração da economia provocada pela crise - analisou o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, apostando que, em 2009, o IPCA ficará um pouco abaixo do centro da meta de inflação (4,5%).

Redução de IR foi outro efeito positivo

O economista Carlos Thadeu de Freitas Filho, da SLW Asset, concorda com Cunha. As análises de ambos também convergem quando o assunto é Taxa Selic. Freitas aposta numa redução dos juros de 2,5 pontos em 2009, para 11,25%. O economista José Cezar Castanhar, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que o patamar da inflação está "muito confortável" e converge à meta de 4,5% (com margem de dois pontos para mais ou para menos):

- O BC precisa ter coragem para reduzir a Selic de maneira audaciosa. Como a inflação vai seguir um viés de queda em 2009, não há justificativa para Selic de dois dígitos.

Outro fruto positivo que o consumidor colheu da crise foi a desoneração tributária. Para manter o consumo em alta, o governo cedeu reduziu o IPI dos carros - garantindo economia de até R$2,5 mil na compra de um zero quilômetro - e na cobrança do Imposto de Renda (IR), criando duas novas faixas. Quem deixou a alíquota de 15% e caiu na de 7,5% teve queda de até 50% no imposto devido.