Título: Agora é com o TSE
Autor: Pires, Mozart Valadares
Fonte: O Globo, 10/01/2009, Opinião, p. 7

O ano de 2008 ficará marcado como o ano da "justiça cidadã", o ano em que a mais alta corte do país abriu suas portas para receber em audiências públicas segmentos sociais com posicionamentos díspares e, a partir das discussões democraticamente travadas, tomar as decisões que irão repercutir na vida de todos nós. Destacam-se aqui dois momentos históricos: os debates patrocinados pela sociedade civil em torno da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos; e o uso de células-tronco de embriões para pesquisas científicas.

O fortalecimento das instituições iniciado há 20 anos permitiu ao Judiciário tornar-se um poder mais aberto e sensível às mudanças sociais. Isso não significa que os ministros e juízes julguem desconsiderando o arcabouço legal ou sob pressão popular. Apenas que a avançada estrutura alcançada, com a consolidação de princípios como a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos, além de regras claras para promoção por merecimento deram segurança ao magistrado para trabalhar de maneira cada vez mais independente.

O resultado são decisões até então inimagináveis, como a proibição do nepotismo em todos os poderes. Sendo esta, sem dúvida, a maior contribuição da magistratura para a consolidação dos princípios republicanos no país. Aos poucos, o público e o privado vão se tornando distintos; as ações paroquiais são cada vez menos toleradas. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que congrega cerca de 14 mil juízes, deu sua contribuição ao provocar o STF para que se manifestasse sobre a constitucionalidade da resolução do Conselho Nacional de Justiça, que proibiu a contratação de parentes no âmbito do Poder Judiciário. Os ministros da suprema corte foram além e determinaram o fim do nepotismo em todos os poderes e escalões.

Só por isso, 2008 entraria definitivamente para a história como o ano do Judiciário. Houve mais. Em novembro, o STF julgou pela manutenção da fidelidade partidária anteriormente definida pelo Tribunal Superior Eleitoral. A decisão valerá até que o Congresso normatize o tema. A fidelidade partidária é importante para o fortalecimento dos partidos políticos e, também, para tornar claros para o eleitor os princípios e ideais que constituem as agremiações. Os magistrados foram acusados de estar legislando, mas isso não é verdade. Nem uma lei nova foi criada, apenas interpretada a partir do pedido de um partido político que se sentia prejudicado pelo jogo do troca-troca tão comum no Congresso Nacional.

Ainda no campo eleitoral, a magistratura desempenhou importante papel unindo desde a base até a cúpula em movimento inédito: as audiências públicas com eleitores de todo o país. Foram 1.400 reuniões em praças públicas, escolas, auditórios ou fóruns em que juízes eleitorais puderam falar das leis em vigor e da importância do voto livre e consciente. E os eleitores manifestaram suas dúvidas, esperanças e críticas.

Não menos importante foi a decisão da AMB de disponibilizar em seu portal os nomes dos candidatos que respondem a processos. Sem fazer juízo de valor e abrindo espaço em seu próprio site para que todos pudessem apresentar sua defesa, a AMB prestou um serviço de utilidade pública ao facilitar ao eleitor a busca de informação sobre a vida pregressa daqueles que disputavam seu voto e o direito de representá-lo nas prefeituras e câmaras de vereadores. A decisão gerou críticas por parte de assessores e de candidatos que tiveram seus nomes expostos, apesar de os processos serem públicos e estarem disponíveis nas páginas dos tribunais. Mas foi bem recebida pela população, que deixou milhares de apoios assinalados no site. A AMB não fez nenhum julgamento, isso coube ao eleitor, que rejeitou quase 70% dos nomes relacionados. Essa tarefa deverá ser assumida pelo TSE em 2010.

Tudo isso demonstra que juízes de todos os escalões do Poder Judiciário estão prontos para cumprir seu papel de defesa da lei e da cidadania, mesmo que para isso tenham que quebrar tabus, como corajosamente fizeram nossos constituintes.

MOZART VALADARES PIRES é presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Paulo Nogueira Batista Jr. volta a escrever no dia 24.