Título: Mesa da Câmara em guerra
Autor: Camarotti, Gerson; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 10/01/2009, O País, p. 3

Troca de plano de saúde de servidores, pago com dinheiro público e sem licitação, causa crise

Gerson Camarotti e Isabel Braga

A polêmica decisão de mudar o plano de saúde dos funcionários da Câmara sem licitação, anunciada após reunião da Mesa Diretora na quarta-feira, pôs em lados opostos os dirigentes da Casa, com acusações diretas ao presidente, Arlindo Chinaglia (PT-SP). O primeiro-secretário da Câmara, Osmar Serraglio (PMDB-PR), disse ontem ao GLOBO que a Mesa foi enganada pelo presidente da Casa e que a proposta do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal (Sindilegis) de contratar a Amil, sem licitação, tem questionamento jurídicos, além da discordância dos servidores concursados.

Outro problema apontado por estudos técnicos é que não há garantia de que o custo atual de R$43 milhões - que a Câmara gasta com o plano de saúde dos 3.500 servidores concursados - não vai aumentar a partir da incorporação dos 12 mil funcionários comissionados ao atendimento. Por essas simulações, o novo custo poderá superar R$80 milhões. Segundo Serraglio, a Mesa foi levada a aprovar uma mudança apresentada como boa para todos os servidores e que seria fruto de acordo entre o Sindilegis e a presidência da Casa, o que não se confirmou depois. Ele vai pedir que a decisão seja revista.

- A Mesa pode rever seus próprios atos, e eu vou pedir isso. Fomos totalmente enganados. O Arlindo (Chinaglia) e o presidente do Sindilegis, Magno Mello, apresentaram a solução como a melhor saída. Não tínhamos do que duvidar. Achávamos que era uma negociação que já estava evoluída. Para minha surpresa, os próprios diretores de departamento da Câmara estavam preocupados com a decisão, pois não havia segurança da viabilidade da proposta apresentada. As simulações que fizemos não conseguiram chegar aos números apresentados. Gostaria de uma explicação do Arlindo - cobrou Serraglio.

Ele criticou ainda o fato de o presidente do Sindilegis ter levado à reunião o diretor do grupo Afinidade, Farias Pereira de Sousa, que presta consultoria a planos de saúde.

- Chegamos à casa do Chinaglia sem saber, sequer, do que iríamos tratar. Nem sabíamos quem era esse Farias. Faltou ética. Ele devia ser apresentado como um corretor de planos de saúde. A impressão que passava é que ele era do sindicato. E ele defendia claramente o plano de saúde Amil - acrescentou Serraglio.

Chinaglia diz que negociou com sindicato

Chinaglia rebateu as críticas, afirmou que não negociou com a Amil, mas com o sindicato, e disse que, se a proposta representar mais gastos, não será contratada. Ele disse que a reunião da Mesa ocorreu em seguida a outra reunião, que contou com a participação dele, do vice-presidente, Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), de diretores da Casa e representantes do sindicato.

- Como o Serraglio alega que foi enganado e votou a favor? Se ele levantou dúvidas, eu posso devolver que, neste padrão de análise, por que ele não apresentou dados diferentes naquela reunião? Se o Serraglio entende que negociou com a empresa (Grupo Afinidade), é problema dele. A Mesa negociou com o sindicato. O que essa empresa faz não é problema da Mesa. O que importa é que o sindicato colocou a sua pauta de reivindicações - rebateu Chinaglia, ressaltando que a proposta do sindicato não prevê aumento de custo. - O Sindilegis garantiu que não haveria prejuízo no atendimento. A Mesa, de boa-fé, tentou atender à solicitação do sindicato.

Ele reafirmou:

- Tudo o que foi apresentado oralmente na reunião terá que ser provado. Se não, o negócio não irá adiante. Se o sindicato errou, a Mesa vai mostrar que a proposta não tem viabilidade.

Serraglio passou a questionar a ausência de licitação, seguido por outro integrante da Mesa.

- O ideal é que tivesse licitação. O sindicato não é órgão público, mas vai ter dinheiro público. Não vejo como não ter licitação - disse o segundo-secretário da Mesa, Ciro Nogueira (PP-PI), que também participou da reunião.

Ciro, que como Serraglio é candidato a presidente da Câmara, porém, defendeu Chinaglia e disse não acreditar que tenha agido de má-fé:

- Ele agiu com extrema correção. Eles apresentaram a pessoa (Farias) como consultor do Sindilegis. O intuito dele (Chinaglia) e de todos da Mesa, ao aprovar a medida, foi incorporar os que estão fora do plano.

Mas a Associação dos Consultores Legislativos, dos servidores concursados, não concorda e apresentou um abaixo-assinado para impedir a mudança de plano. A entidade sustenta que o atual plano, o Pró-Saúde, funciona muito bem.

- Os servidores não querem a mudança. Está sendo feita uma troca sem debate ou discussão. Isso é um absurdo - criticou o presidente da Associação, Cristiano Viveiros de Carvalho.

Procurado ontem pelo GLOBO, o corretor de planos de saúde e diretor do grupo Afinidade, Farias Pereira de Sousa, não retornou ao pedido de entrevista. Em nota, afirmou que não é representante da Amil e que presta serviços de consultoria sobre planos de saúde e odontológicos para o Sindilegis desde fevereiro de 2007.

Farias confirma que auxiliou o sindicato na busca de propostas de operadoras de planos de saúde. Já a Amil, também em nota, disse que não assinou contrato para prestar assistência aos funcionários da Câmara. Mas confirma que houve proposta de cobertura por solicitação do Sindilegis e que trabalha com empresas de corretagem, que comercializam planos.

O presidente do Sindilegis, Magno Mello, negou que a Amil tenha sido escolhida e disse que só haverá contratação se a empresa bancar tudo o que o Pró-Saúde oferece, sem novos custos. Mello citou o artigo 230, da Lei 8.112/90, para afirmar que é legal a dispensa de licitação, porque autoriza a Câmara a destinar recursos para os servidores para gastos com saúde:

- Se a Câmara fosse fazer o convênio, teria que ter licitação, mas o servidor e o Sindilegis têm liberdade de escolha, sem licitação.

Segundo a proposta, a Casa pagaria R$180 por cada um dos 15.171 integrantes do Pró-Saúde. O dinheiro seria depositado na conta do servidor. Para o pagamento do plano, o servidor contribuiria com R$ 214 a mais.

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