Título: Professores são os últimos a saber
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 11/01/2009, O País, p. 3

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO

Dois milhões de docentes ainda não foram treinados sobre reforma ortográfica.

Em vigor desde 1º de janeiro, as novas regras ortográficas da língua portuguesa foram definidas 18 anos atrás, em outubro de 1990. A rede de ensino, porém, não se preparou para a mudança. Professores de português e das demais disciplinas darão início ao ano letivo sem que tenham sido treinados para usar - e ensinar - a nova grafia. E os livros didáticos que o Ministério da Educação (MEC) distribui à rede pública, inclusive os de alfabetização, só serão atualizados a partir de 2010. Os do ensino médio, em 2012.

Em setembro passado, o presidente Lula assinou decreto que formaliza a adoção do acordo no Brasil. Ele fixou prazo de transição de quatro anos. Até 31 de dezembro de 2012, portanto, a grafia antiga e a nova serão válidas.

Isso significa que nenhum aluno poderá ser reprovado por desconhecer as alterações. A regra é a mesma para vestibulares, concursos públicos e testes do MEC, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ainda assim, educadores alertam que ninguém deve perder tempo. A recomendação tem um motivo adicional: antes mesmo da mudança, o Brasil já tropeça no ensino de português.

Ao analisar resultados de exames do MEC, o movimento Todos pela Educação, organização não-governamental que reúne empresários e educadores, concluiu que oito em cada dez alunos do último ano do ensino fundamental sabem menos do que deveriam sobre o idioma. Com o acordo ortográfico, alunos e professores entram no mesmo barco: todos precisarão aprender. O primeiro desafio é ensinar as novas regras a cerca de dois milhões de docentes.

A presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Justina Iva Silva, ex-secretária Municipal de Educação de Natal (RN), diz que o acordo não foi precedido de mobilização nacional.

- Suponho que os professores não estejam preparados - diz Justina.

Para a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Maria Auxiliadora Rezende, a falta de livros atualizados dificulta.

- É complicado nas redes municipais, ainda mais com a entrada de novos prefeitos - diz Maria.

Rede estadual de SP organiza curso

O diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Rafael Torino, lembra que a compra dos livros didáticos é feita com dois anos de antecedência e que em 2008, quando o órgão exigiu a nova grafia para 2010, sofreu críticas:

- Na época, diziam que o FNDE estava se precipitando. Agora, dizem que estamos atrasados.

Em 2009, as editoras tiveram liberdade para fornecer obras atualizadas, mas poucas fizeram isso. Das 11 coleções de português, cinco estão adaptadas. Das 19 de história, só uma. Para remediar a situação de quem não terá livro atualizado em 2010, o FNDE enviará novos dicionários para um milhão de salas de aula, cobrindo toda a rede pública. Em março, uma cartilha também deverá ser distribuída.

O assessor especial do MEC Carlos Alberto Xavier, que acompanha a discussão do acordo desde 1990, enfatiza que a reforma tem como objetivo as gerações futuras. Para ele, o prazo de transição é suficiente:

- Não devemos cair na pressão do imediatismo. A convivência de livros na nova e na antiga grafia vai ser uma oportunidade de explicar melhor a mudança.

Ele destaca que a Academia Brasileira de Letras só lançará no mês que vem o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), uma lista com cerca de 360 mil verbetes. Em sua quinta edição, o Volp vai dirimir dúvidas sobre o uso do hífen. O setor privado também aguarda a edição do vocabulário da ABL. O presidente da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), Roberto Dornas, critica a reforma e recomenda prudência às escolas:

- A reforma é um horror, deixa muitas dúvidas. Devemos esperar o vocabulário ortográfico para evitar que se comece a ensinar de um jeito e seja preciso mudar depois - diz Dornas. - Meu único receio é que (a reforma) possa servir de pegadinha em concurso público e vestibular.

Em São Paulo, a Secretaria de Estado da Educação promoveu videoconferência, ainda em 2008, para apresentar o acordo ortográfico a 17 mil professores - 7% dos cerca de 250 mil, segundo a secretaria.

A secretaria prepara um portal na internet e material didático atualizado para 2009. Em abril, haverá cursos por videoconferência e as escolas receberão dicionários.

O teor das alterações no idioma foi acertado em 1990 por representantes dos sete países de língua portuguesa: Brasil, Portugal, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. O acordo foi aprovado em dezembro daquele ano. Timor Leste aderiu após deixar de ser colônia da Indonésia. No Brasil, o Congresso aprovou o texto em 1995. Em 2006, o acordo já poderia ter entrado em vigor, com a adesão de três países. Mas faltava Portugal, que relutou em dar seu aval e só embarcou em 2008.

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