Título: Sumiço de vagas
Autor: Duarte, Patrícia; beck, Martha
Fonte: O Globo, 11/01/2009, Economia, p. 25

Ministro estima que país perdeu 600 mil empregos formais em dezembro e vê 1º trimestre fraco.

Os efeitos da crise internacional chegaram de vez à economia real brasileira e devem durar, como prevê o próprio governo, pelo menos até o fim deste trimestre. Na área de empregos, o país perdeu cerca de 600 mil postos de trabalho só em dezembro, o dobro do normalmente visto nesses períodos, segundo estimativa do ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Ele também não descarta a ocorrência de mais demissões do que contratações em janeiro. No trimestre, acrescentou Lupi, deverão ser criadas cerca de 200 mil a 250 mil vagas formais, a metade do que foi registrado um ano antes.

O ministro explicou que as demissões em dezembro, que sempre são registradas devido ao fim de contratos temporários, foram turbinadas por causa da crise. Quando perguntado se as exonerações deveriam corresponder ao dobro do normalmente visto nesses meses (300 mil demissões líquidas), Lupi respondeu que chegaria "perto disso". Mas, para ele, o cenário vai melhorar, porque o governo tomou medidas importantes para reduzir os impactos da crise externa, agravada a partir de setembro, com a quebra do gigante bancário americano Lehman Brothers.

- A crise financeira fechou as linhas de crédito e teve um efeito avassalador. Fechou crédito para quem produz e para quem compra - disse Lupi, que, apesar disso, mantém sua estimativa de criação de mais 1,5 milhão de empregos formais em 2009, pouco abaixo do esperado para 2008. - Em março, começam a chegar na ponta as medidas (econômicas) tomadas pelo governo. Março pode até surpreender positivamente. Mas teremos um começo de ano fraco.

Alta do crédito será a pior da era Lula

A percepção de que este trimestre não será nada fácil pega de ponta a ponta a Esplanada dos Ministérios, sobretudo a equipe econômica. Por isso, o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) afinaram o discurso para dar o seguinte recado à população: a curto prazo, a atividade será menor não só por causa da sazonalidade após as festas de fim de ano, mas também devido à crise. Em algumas áreas, o quadro será um dos piores do governo Lula, como emprego e crédito, com crescimento bem mais fraco.

A partir de março, afirmam os chefes da economia nacional, as nuvens começarão a se dissipar devido à extensa lista de medidas tomadas nos últimos meses, como redução de impostos e liberação de mais recursos para empréstimos. O Ministério da Fazenda, por exemplo, ainda aposta em um avanço de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, enquanto o BC prevê 3,2%, taxas bem acima da expectativa do mercado, de 2,40%. Não é difícil ver Henrique Meirelles, presidente do BC, e o ministro Guido Mantega (Fazenda) comentando esse cenário com seus interlocutores, mas ambos também gostam de passar a ideia de que a turbulência é passageira.

Mas, até lá, o caminho não será nada fácil. O setor produtivo também espera um primeiro trimestre bastante negativo. Estima-se que o PIB dos três primeiros meses do ano terá uma retração de 2%, enquanto o PIB industrial vai cair 5%. Se confirmados, serão os piores indicadores desde o início do governo Lula, em 2003. Para o ex-secretário de Política Econômica Julio Sérgio Gomes de Almeida, o trimestre passado foi ruim, e o início de 2009 será ainda pior:

- O final de 2008 sofreu com a primeira onda da recessão industrial, atingindo os segmentos de automóveis, bens de capital e duráveis. A segunda onda vem agora e afeta os setores ligados à massa salarial, que depende do emprego e da renda.

O chefe da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, faz coro e aposta que o cenário continuará nebuloso durante o semestre. Segundo ele, haverá uma queda na confiança dos consumidores, o que reduz ainda mais a atividade econômica. Por isso, ressalta, é importante o governo ter foco na manutenção dos empregos.

Mais otimistas, técnicos do Ministério da Fazenda argumentam que as perspectivas em relação à economia já começaram a melhorar, embora concordem que os reflexos da crise serão mais fortes no primeiro trimestre.

- Agora avalia-se que será um trimestre ruim e não mais um semestre ruim - disse um funcionário.

Ele lembrou que a grande preocupação do governo está no emprego e, por isso, estão sendo estudadas mais medidas de apoio ao setor produtivo, que reduzam eventuais demissões no início do ano. A crise afetou menos a economia real também por causa das festas de fim de ano, com o pagamento do décimo terceiro salário. Assim, são esperados reflexos da crise com mais força agora.

Entre os setores que podem ser mais afetados, na visão do governo, estão metalúrgico, siderúrgico e construção civil, além de serviços. Na equipe econômica, a avaliação é que as medidas já tomadas - e outras que serão anunciadas - vão inverter esse cenário nos próximos meses. Em termos de política monetária - com reduções de compulsórios, uso das reservas internacionais para garantir financiamento e o início de queda da taxa básica de juros esperado em janeiro -, a avaliação é que o trabalho já foi feito.

Metalúrgica teme demitir após férias

Em Barra do Piraí, no interior do Rio, a MBP Metalurgia receia ter de demitir funcionários após uma queda de 30% nas vendas entre outubro e dezembro. Fabricante de telhas de aço para a construção civil, ela deu férias coletivas para 800 funcionários, que retornaram no último dia 5.

- Estamos nos moldando a um novo tamanho, a uma nova realidade. É um momento difícil e precisamos nos adequar - diz Ronald de Carvalho, presidente da MBP.

A recuperação do crédito, no entanto, vai ser lenta. O economista da consultoria Tendências, Bruno Rocha, calcula que o volume de crédito para pessoas físicas crescerá 2,5% neste trimestre, muito pouco se comparado com janeiro a março de 2008 (6,4%). Se confirmada, a alta será a menor dos últimos seis anos.

- Os juros continuam elevados, inibindo o consumo - afirmou.

COLABOROU Bruno Villas Bôas