Título: Aids: país fará drogas para criança
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 11/01/2009, Ciência / Saúde, p. 35

Brasil começa a produzir fórmulas pediátricas dos remédios do coquetel.

BRASÍLIA. O Brasil vai começar a produzir os primeiros comprimidos associados para crianças portadoras do vírus da Aids. A Zidovudina (AZT) e a Lamivudina (3TC) foram condensadas pelo laboratório Farmanguinhos num mesmo medicamento, o ATC, que já vem sendo ministrado em adultos há mais de dez anos. Agora, o laboratório vai fazer uma formulação de ATC infantil solúvel.

O antirretroviral infantil vinha sendo testado desde outubro de 2007. O início da distribuição do remédio pelo SUS ainda pode levar alguns meses, segundo Farmanguinhos, porque falta concluir o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O produto será usado inicialmente apenas no Brasil, mas, segundo Eduardo Costa, diretor de Farmanguinhos, é possível que, posteriormente, seja enviado a países da África, onde se concentra o maior número de casos. A pedido do Ministério da Saúde, o laboratório também trabalha em outra formulação de antirretroviral pediátrico, a do Efavirenz 100 mg.

Brasil tem 13 mil crianças soropositivas

A médica Thereza Christina Ribeiro, especializada no tratamento de crianças soropositivas, conta que o ATC é um dos mais utilizados no tratamento e explica que para cada paciente é preparado um conjunto de comprimidos antirretrovirais específico. A iniciativa do governo brasileiro, acredita, é positiva porque quanto menos comprimidos o doente tiver que tomar todos os dias, menos desistências haverá durante o tratamento. A médica lembra que antes de a combinação do ATC existir, alguns pacientes tinham que tomar até 20 comprimidos por dia.

- Vai ser muito bom ter o ATC num comprimido só, em dosagem infantil, porque são duas medicações condensadas em uma. Quanto menor o número de comprimidos, maior a adesão ao tratamento - diz.

No Brasil, de acordo com números de 2007, 13.012 crianças com menos de 12 anos são portadoras do HIV. Dessas, 7 mil estavam sendo medicadas diariamente, sendo que 1.800 usam a combinação de ATC. Mas elas têm que tomar o comprimido para adultos partido ao meio, o que pode dificultar a absorção do produto e diminuir a eficácia do tratamento.

A terapia só é recomendada àquelas que começam a sucumbir a infecções oportunistas. O objetivo dos antirretrovirais é baixar a carga do vírus no organismo do paciente. A sobrevida de crianças soropositivas vem aumentado consideravelmente desde que a epidemia começou, no início dos anos 80.

Segundo o estudo "Ampliação da sobrevivência de crianças com Aids", do Ministério da Saúde, na década de 80, a probabilidade de uma criança estar viva cinco anos após o diagnóstico era de apenas 24,6%. As diagnosticadas entre 1999 e 2002, depois do AZT, tinham 86% de chance de estarem vivas cinco anos depois do teste.

O governo vem disseminando também, em todo o país, medidas preventivas em gestantes soropositivas. Quando uma grávida chega a um posto do SUS, a recomendação é que seja oferecido a ela o teste anti-HIV. No caso de diagnóstico positivo, a mãe já começa a ser tratada com os antirretrovirais a partir de 14 semanas de gestação. Na hora do parto, faz-se uma avaliação para checar a carga viral da mãe, que tanto em caso de cesariana, quanto de parto normal, recebe uma dose do AZT injetável, momentos antes de dar à luz. Depois que o bebê nasce, a mãe não pode amamentar e a criança tem que tomar AZT em xarope durante as seis primeiras semanas de vida.

- Se a mãe tomar todas essas medidas, a chance de contaminação vertical (de mãe para filho) cai para menos de 1%. Se não fizer nada disso, a probabilidade de contaminação gira em torno de 25% - explica Mariângela Simão, coordenadora do Programa Nacional de DST/Aids.

Para se ter uma idéia da eficácia da prevenção da Aids em mães soropositivas, em 1998 havia 667 casos de HIV entre bebês com menos de dois anos. De janeiro a julho de 2007, data do último levantamento, apenas 26 casos nessa faixa etária foram registrados.

- Entre as mulheres que eu acompanhei, o último caso de transmissão vertical aconteceu no ano 2000 - comemora Thereza Christina.