Título: Palestinos no Brasil sofrem com o conflito
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 12/01/2009, O Mundo, p. 21

Refugiados têm dificuldades de trazer parentes de Gaza, mesmo com ajuda da ONU.

MOGI DAS CRUZES. "Baba (papai), não quero morrer aqui em Gaza. Por que você não me levou para o Brasil? Você não me ama mais?" Foram as últimas palavras que Houssan Hejazi Khalil, de 37 anos, ouviu do filho Aiham Houssan, de 9, ao telefone, há duas semanas. Houssan é um dos 108 palestinos refugiados no Brasil há 15 meses. O Itamaraty já liberou visto para o menino ser trazido ao Brasil, mas as Nações Unidas não conseguem tirá-lo de Gaza. Mesmo sem conseguir novos contatos, Houssan não cogita a hipótese de Aiham ter sido vítima dos últimos ataques.

- Respondi a ele: "Não morra, por favor. Espera mais um pouco, o papai vai trazer você ao Brasil" Sei que vou conseguir - disse Houssan, lembrando a presença do ministro Celso Amorim em Jerusalém. - A ONU não tem valido mais nada, mas quem sabe o Lula não consegue trazer meu filho?

Segundo o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Javier Lopez-Cifuentes, o governo brasileiro fez o possível, sem sucesso:

- Não há como tirar o garoto de Gaza. Israel não permite.

Crianças se assustam com imagens nos noticiários

No final de dezembro, a ONU e o Itamaraty tentaram retirar Aiham e a mãe de Houssan, Nozha, de 80 anos, de Gaza. Os dois passaram três dias na fronteira, na esperança de que a ONU os levassem ao Egito, onde a Embaixada do Brasil os aguarda com vistos e passagens. Mas foram forçados a voltar. O pai, com a intensificação dos ataques, não conseguiu novo contato.

- Foi uma frustração. Não conseguimos trazê-los - disse Lopez-Cifuentes.

O drama de Houssan repercute na comunidade de refugiados palestinos de Mogi das Cruzes. Muitos dos 47 refugiados instalados na cidade têm parentes em Gaza.

- Se Aiham sobreviver e ficar lá, ele se tornará um terrorista. Fará a resistência. O que mais um menino com essa história poderá fazer em Gaza?- avalia Huda Amer al-Bandar.

Mãe de dois filhos pequenos, Huda conta que seus garotos não têm como escapar do clima tenso da comunidade, que acompanha com rigor as notícias. Ontem, o mais novo, Mahmoud, de 6 anos, viu imagens de crianças palestinas mortas em Gaza e perguntou:

- Mamãe, o que esse menino fez para morrer assim? E esses outros? Eu também vou morrer porque sou palestino?

Refugiadas desde a criação de Israel, em 1948, as famílias palestinas cultivam uma tradição: carregam as chaves dos imóveis que tinham antes de Israel e as repassam às gerações futuras. Dizem que é para jamais se esquecerem de que os palestinos já tiveram um território.

Huda não sabe se conseguirá herdar as chaves que a bisavó guardou de sua casa em Gaza. É que a avó de Huda e sua mãe, atual detentora da chave, se refugiaram no Líbano, enquanto Huda se instalava no Iraque, de onde saiu em 2003, após a invasão americana. Como os demais refugiados no Brasil, ela viveu cinco anos no campo de Ruweished, Jordânia, antes de chegar aqui. Diante da impossibilidade de receber a chave da mãe, Huda carrega a chave da casa que teve no Iraque. Antes de partir, ganhou do pai um retalho de pano verde, cor da boa sorte segundo os xiitas, que foi amarrado na sua chave.

- Minha bisavó sempre segurava a sua chave enquanto nos contava o quanto já havia andado desde a criação de Israel, quando tomaram nossa casa. Não há mais nenhuma casa, mas ela dizia que levava sempre a chave para nos lembrar de que já tivemos uma vida normal. Eu pego minha chave e choro. Depois digo aos meninos: um dia teremos paz.