Título: Negócio estranho
Autor: Maia, Agripino
Fonte: O Globo, 13/01/2009, Opinião, p. 7

Eis a questão: o anúncio da compra de 49,9% do Banco Votorantim pelo Banco do Brasil foi uma operação de socorro - para reduzir os efeitos do impacto de forte "marola" da crise (para não discrepar da nossa doutrina tropicalista para o terremoto econômico que abala o mundo) sobre o importante conglomerado grupo nacional? Ou deve ser considerado um "negócio oportuno", na onda de fusões do mercado financeiro?

Para não enfrentar análises críticas, o governo evita - e por isso torna suspeita a operação - maiores explicações e não deixa ao Congresso outra saída além da abertura do indispensável debate. Até mesmo pelo caráter atípico da operação, uma vez que o BB paga R$4 bilhões, diz que compra, mas não fica com o controle do banco.

Ao mesmo tempo, porém, propaga que, com o novo ativo, o BB reduz o espaço que o afasta da colocação de primeiro lugar no ranking de instituições financeiras, hoje ocupado pelo Itaú-Unibanco... Ou seja, o BV incorpora-se ao BB ou as duas instituições continuam autônomas, e, portanto, seus ativos não podem ser somados? Sem falar nos antecedentes próximos (a questão do prejuízo de R$2,2 bilhões sofrido pelo grupo em operações com derivativos, quando eclodiu a crise) que precisam ser isolados da operação BB-BV, já que os comunicados oficiais fazem questão de dizer que não há relação entre as duas coisas.

Na verdade, do jeito e com a pressa com que a operação foi montada e formalizada, ela só se justificaria se ocorresse uma situação de "risco sistêmico", que felizmente todo mundo sabe o que é.

Apesar da tentativa dos tecnocratas, protegendo-se em dialetos como o economês, a sociedade desenvolve extrema capacidade de absorver e democratizar os jargões que nascem para confundir e terminam vulgarizados pelo uso corrente.

É o caso da expressão "risco sistêmico", que surgiu como diagnóstico de iniciados para avaliar a necessidade de socorrer bancos cuja quebra pudesse desequilibrar a economia, e que hoje todos usamos com absoluta propriedade. Por acaso, é a figura que pode resumir a discussão: as dificuldades do Banco Votorantim representavam um "risco sistêmico" para o país, a ponto de merecer um apressado socorro de R$4 bilhões?

Ou, já que "está tudo bem", conforme a teoria panglossiana da "marola" do presidente Lula, tratou-se de uma aquisição oportuna, um bom negócio, o BB incorporar ao seu portfólio um segmento do mercado de crédito popular, no caso financiamento de carros usados?

Partamos do benefício da dúvida, sem prejulgar moral ou legalmente a operação, mas, convenhamos, é inaceitável que um negócio de R$4 bilhões, com a atipicidade que o reveste, corra ao bar do martelo, como numa liquidação das últimas prendas de uma quermesse de festa da padroeira.

Além do mais (e bote mais nisso), se o negócio envolve dinheiro público, ou seja, o Banco do Brasil fez uma operação de compra, porque não assume o controle de fato?

O PT está trilhando conceito perverso de socialização. Estatiza a parte podre do negócio - descarregando o prejuízo sobre os contribuintes e os acionistas do BB - e mantém privatizados os lucros de banqueiros imprevidentes.

A adoção do modelo viciado está implícita no fato de o governo não haver lançado mão da autorização para atender a crises de liquidez que lhe foi dada pelo Congresso.

O que temos é o caso elementar de um banco que concentrou temerariamente seus financiamentos, perdeu a aposta e, para não assumir os prejuízos, passou a conta "à viúva", com se dizia antigamente.

Será que estamos todos anestesiados para deixar passar um episódio como este? Não.

RODRIGO MAIA é deputado federal e presidente do DEM.