Título: É preciso que o Banco Central tenha coragem para reduzir juros
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Fonte: O Globo, 13/01/2009, Economia, p. 20

Ex-presidente do banco aprova câmbio flutuante 10 anos após, mas com ressalva.

O ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Franco, atualmente sócio da gestora de recursos Rio Bravo, foi substituído na função pelo economista Chico Lopes no dia 13 de janeiro de 1999. No dia seguinte, o país adotou o regime de câmbio flutuante ao qual Franco se opunha. Dez anos depois, ele acredita que a política cambial desde então em vigor foi uma escolha acertada. Mas defende que este caminho começou a ser pavimentado em 1994, quando o Plano Real foi implementado. Defensor dos juros altos no passado, como instrumento para combater a inflação, Franco diz que, hoje, o país se curou desta doença. E cobra a atual diretoria do BC:

- Não existe justificativa para os juros continuarem altos: o mundo está em recessão, não há nenhuma ameaça inflacionária a caminho.

Liana Melo

O senhor sempre defendeu o regime de bandas cambiais. Como avalia uma década de câmbio flutuante?

GUSTAVO FRANCO: O saldo deste período é muito bom. A flutuação começou, de verdade, com o Plano Real, em julho de 1994, portanto estamos convivendo com o câmbio flutuante há praticamente 15 anos. A comprovação de que o câmbio é um preço determinado pelas forças do mercado acabou funcionando como um grande choque cultural. Só que, com as bandas cambiais, acabamos sendo obrigados a recuar no desejo de flutuar, porque a moeda estava valorizando demais. Tivemos momentos bons e ruins, mas o saldo do aprendizado é muito bom.

O senhor considera que a adoção da política de câmbio flutuante está sendo determinante hoje para evitar uma contaminação do país pela crise financeira global?

FRANCO: O câmbio flutuante transforma os choques externos em pressões de desvalorização do câmbio, o que acaba se traduzindo em inflação. O que aconteceu de diferente na atual crise financeira foi que a pressão inflacionária, produzida pelo câmbio, acabou sendo compensada por uma pressão, em sentido contrária, traduzida pela queda dos preços das commodities. E o saldo destas duas variações deu negativo. Todos os economistas tinham dúvidas sobre para que lado ia a inflação no balanço destas duas influências: uma para cima, o câmbio, e outra para baixo, os preços das commodities. Nesta crise, o impacto inflacionário foi pequeno, praticamente inexistente.

Quando o BC adotou o regime de câmbio flutuante, o senhor defendia os juros altos. E agora?

FRANCO: Agora que a inflação não veio, nem o choque inflacionário decorrente da desvalorização, está na hora do juro cair. Está todo mundo esperando por isso e há amplos motivos para isso. A política monetária tem motivações que vão variando ao longo do tempo e ela tem seus limites muito determinados pela política fiscal. Lá atrás, no início do Plano Real, os juros não podiam cair porque o déficit público era muito grande.

Hoje, então, existe espaço para os juros caírem?

FRANCO: Nos anos 90, tínhamos uma doença muito séria, que era a hiperinflação, que chegava a girar em torno de 45% ao mês. Conseguimos combater a doença bastante bem, mas o micróbio que a alimentava não desapareceu por completo. O sintoma da existência deste micróbio é o juro alto. Só que, ao longo do tempo, progredimos e conseguimos combater a doença e já podemos explorar taxas de juros cada vez mais baixas. Não existe justificativa para os juros continuarem altos: o mundo está em recessão, não há nenhuma ameaça inflacionária a caminho. É preciso que o BC tenha coragem para reduzir os juros.

O senhor acredita que a queda é para já?

FRANCO: Há uma expectativa generalizada para isso já na próxima reunião do Copom. Todos esperam uma queda ainda maior do que 0,5 ponto percentual e várias quedas sucessivas ao longo do ano.

Alguns economistas defendem juros de um dígito e dizem que o BC precisa ser audacioso. O senhor acha isso factível?

FRANCO: Factível é, mas não é de uma vez só que se faz isso. Mas não é impossível depois de reuniões sucessivas. Não apenas por conta do panorama inflacionário, mas, sobretudo, se as finanças públicas permitirem. Estamos numa tendência de melhoria das finanças públicas, o que abre espaço para juros de Primeiro Mundo. Só teremos juros de Primeiro Mundo quando tivermos finanças públicas também de Primeiro Mundo. Acredito que temos condições de chegar a juros de Primeiro Mundo em um ou dois anos. Não é um processo tão simples assim quando se pensa. Isso de ser audacioso em relação a juros e câmbio é um processo lento e gradual. Se fosse fácil resolver tudo à base de coragem e de canetada, a vida seria bem mais fácil.