Título: Com crise, chance de apagão é quase nula
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 14/01/2009, Economia, p. 20
Após comandar Aneel, engenheiro quer voltar à iniciativa privada. Ele critica lei que encarece em 20% conta da Light
BRASÍLIA. Após quatro anos à frente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o engenheiro Jerson Kelman deixou o cargo ontem. Cumprirá um período de quarentena para, em seguida, trabalhar na iniciativa privada. Não reconduzido à direção-geral da agência pelo presidente Lula, o independente Kelman - que angariou alguns desafetos dentro do governo desde que alertou, no início de 2008, para o risco de racionamento - afirmou que, com a crise financeira internacional, a chance de um novo apagão, como ocorreu em 2001, é praticamente nula. Isso em razão do desaquecimento da atividade econômica. Ele advertiu que os consumidores da Light serão punidos com a conta de luz mais cara em cerca de 20%, em até dez anos, por causa da lei aprovada pela Assembléia Legislativa do Rio, no fim do ano passado, que obrigou as distribuidoras a investirem apenas em redes subterrâneas. Kelman criticou a Assembléia e disse que não há como o serviço não encarecer para os usuários. "Imagino que quem fez a lei estivesse pensando que o aumento de custo seria tirado do bolso do dono da Light, ou do dono da Ampla", disparou. Kelman também foi chefe da Agência Nacional de Águas (Ana), indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Patrícia Duarte
No início de 2008, o senhor alertou para o risco de um racionamento e, na semana passada, disse em entrevista que o governo poderia ter usado formas menos onerosas para garantir o abastecimento.
JERSON KELMAN: Na verdade, eu fiz uma especulação. Não fiz conta nenhuma. O que realmente importa é que em 2009 nós estamos sem qualquer risco de desabastecimento energético e este é o momento apropriado para se discutir o que fazer em uma situação de aperto. Estamos em uma posição totalmente normal, mas daqui a algumas décadas, com certeza, devemos enfrentar alguma situação de escassez energética.
Qual a razão dessa possível escassez no futuro?
KELMAN: Nossa natureza é hidrológica. Consumimos energia produzida por hidreletricidade. Corremos o risco de uma seca, de que não haja água suficiente para produzir energia elétrica. É por isso que eu digo que nos próximos 50 anos um evento desta natureza ocorrerá de novo e temos que estar preparados.
Como está hoje o setor elétrico brasileiro?
KELMAN: Estamos em uma situação de absoluta segurança de abastecimento. Primeiro, porque entraram novas usinas; segundo, porque foi feito um esforço para aumentar a troca de energia dos reservatórios; e terceiro, porque de fato a demanda por energia vai crescer, mas não tão forte como se imaginava no início de 2008.
Isso diminui em quanto a chance de racionamento?
KELMAN: A probabilidade de racionamento em 2009 é praticamente nula. Eu não digo que é nula, porque São Pedro pode fazer parar de chover até abril. Mas isto é muito pouco provável. No Brasil, você diz que a situação é normal quando a probabilidade de racionamento em um ano qualquer é inferior a 5%. Hoje está perto de zero.
Por causa disso, há possibilidade de investimentos no setor elétrico serem adiados?
KELMAN: O setor elétrico é um porto seguro e não estamos sentindo diminuição de interesse de investidores. É um setor com investimentos de longo prazo, com uma demanda fixa, flutuações, mas com uma dimensão hidrotérmica previsível. Não vejo decréscimo de interesse de investimentos no setor elétrico. Há uma diminuição passageira da demanda.
Qual vai ser o impacto para o consumidor do Rio provocado pela nova lei que obriga as distribuidoras a colocarem toda a fiação subterrânea? O governador Sérgio Cabral chegou a vetar, mas a Assembléia Legislativa derrubou o veto.
KELMAN: Este exemplo do que a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) fez é comum no resto do país. Alguém teve uma ideia brilhante, mas redes subterrâneas são algo estético. Só que é muito mais caro. Imagino que quem fez a lei estivesse pensando que o aumento de custo fosse tirado do bolso do dono da Light, ou do dono da Ampla. Não é assim. A lei federal que rege a concessão de distribuição de energia elétrica garante às concessionárias o equilíbrio econômico-financeiro. Quando a Alerj aprovou a lei estava aprovando aumento de tarifa para os consumidores.
Quanto o consumidor do Rio pagará a mais pelo serviço?
KELMAN: Se a rede aérea da Light for substituída por rede subterrânea, ao fim do processo, cujo prazo estipulado pela lei é de dez anos, a tarifa de energia elétrica estará 20% mais cara para o consumidor final.
O senhor então é contra a medida?
KELMAN: Sou favorável que em situações como esta sempre se consulte a população. O que é preciso fazer é apresentar os dois lados à população, que pode escolher a rede subterrânea com a conta de luz mais cara, ou uma cidade que não é tão bonita, porque de fato a fiação aérea é feia, com uma tarifa mais barata. Para isso são eleitos os deputados da Assembléia Legislativa. Não existe a opção que eles imaginam que é manter a tarifa como está e ter uma cidade mais bonita. Esta opção que eles apresentam à população não existe. Eu, como carioca, sabedor das dificuldades que passa o povo do meu Estado, diria que nesta altura nós ainda podemos conviver com a rede aérea e com tarifas mais baixas. No futuro, quando nós tivermos um padrão suíço de vida, aí sim devemos migrar para redes subterrâneas, porque é sempre muito mais bonito.
Como ficará o preço ao consumidor final este ano?
KELMAN: De um lado, você tem a alta do dólar e isto afeta a tarifa de Itaipu. Grosso modo, 20% da energia distribuída pelas concessionárias do Sul e do Sudeste vêm de Itaipu. Por outro lado, parte do que o consumidor paga é por ligar térmicas, e as térmicas não serão ligadas. Se fossem ligadas, o custo seria mais caro. Além disso, ao longo de 2009, diversas distribuidoras passarão por um processo de revisão.
Por que o senhor acha que não foi reconduzido ao cargo?
KELMAN: Não queria um segundo mandato. Mas saio com a sensação de dever cumprido.