Título: Itália se diz afrontada pelo Brasil
Autor: Araújo, Vera Gonçalves de
Fonte: O Globo, 15/01/2009, O País, p. 3

ASILO POLÊMICO

Refúgio político dado por Tarso Genro a Battisti causa reações indignadas de italianos.

A decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder status de refugiado político ao italiano Cesare Battisti, ex-integrante de um grupo de esquerda e condenado por quatro homicídios ocorridos nos anos 70, provocou ontem uma crise entre Itália e Brasil. O Ministério do Exterior italiano convocou o embaixador brasileiro no país, Adhemar Gabriel Bahadian, para pedir formalmente explicações sobre o refúgio e expressar "sua contrariedade e surpresa" com a decisão.

Diversos integrantes do governo italiano reagiram com indignação. A subsecretária de Justiça, Elisabetta Alberti Casellati, disse à rádio estatal RAI que "a decisão do governo brasileiro é uma afronta à Itália":

- É uma falta de respeito com a nossa democracia, que foi acusada, acreditando-se na tese de perseguição política, de tirania. É um insulto ao nosso sistema de Justiça, deslegitimado pela autoridade brasileira, e é uma vergonha para as vítimas do terrorismo e seus familiares.

O Departamento de Exteriores do governo italiano informou que o secretário-geral do ministério, Giampiero Massolo, manifestou ao embaixador "a indignação de todas as forças políticas parlamentares, dos parentes das vítimas e de toda a opinião pública" pela decisão. O Ministério do Exterior protestou, em nota: "Expressamos grande surpresa e forte amargura pela decisão tomada pelo ministro da Justiça brasileiro que, contrariando o que foi indicado pelo Comitê Nacional para os Refugiados, acatou o recurso de Cesare Battisti, um terrorista responsável por gravíssimos crimes que nada têm a ver com o status de refugiado político".

Massolo demonstrou sua "perplexidade" pelas explicações de Tarso Genro ao justificar a concessão do benefício. Ele pediu ao embaixador que reitere às autoridades brasileiras o "firme clamor" do governo italiano para que a decisão seja revista.

"É um erro que ofende os italianos"

O ministro da Justiça, Angelino Alfana, disse que ligará nas próximas horas para o colega brasileiro. Mais categórico foi o ministro do Interior, Roberto Maroni:

- É um erro muito grave do governo brasileiro, que ofende as vítimas do terrorismo, o sistema judiciário e o povo italiano - disse Maroni, destacando que a justificativa de que Battisti poderia sofrer torturas ou maus-tratos na Itália "é de rir" e constitui uma ofensa.

A Itália havia pedido a extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos.

- A decisão de não conceder a extradição é um feito desconcertante, ofensivo e de extrema gravidade - disse o ministro da Defesa, Ignazio La Russa, acrescentando que se surpreende que um "terrorista e assassino" ganhe status de refugiado político.

Representantes de famílias de vítimas de terrorismo também protestaram. Em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Associação dos Parentes das Vítimas de Cesare Battisti, Adriano Sabbadin, filho do açougueiro Lino Sabbadin - que teria sido morto por Battisti -, disse ter ficado profundamente ferido pela decisão. "Não temos palavras para exprimir a raiva e a indignação por um fato que nos parece um deboche cruel". Battisti foi considerado culpado da morte de dois policiais, de um joalheiro e de Sabbadin. O ex-militante está preso na penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, desde 2007.

O prefeito de Roma, Gianni Alemanno, em carta, pediu que Lula reveja a decisão: "Confio em seu interesse para que esta pessoa seja rapidamente confiada à Justiça italiana".

As edições online dos jornais italianos destacaram a notícia e abriram espaço para comentários. Internautas pedem que, em protesto, a embaixada do Brasil seja inundada de e-mails.

Com agências internacionais