Título: Hamas aceita proposta do Egito com ressalvas
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 15/01/2009, O Mundo, p. 26

Grupo diz concordar com os princípios da oferta. Israel não comenta declarações, mas envia negociador ao Egito.

JERUSALÉM. Num sinal de que o fim dos 20 dias de ações militares na Faixa de Gaza pode estar próximo, o grupo radical islâmico Hamas afirmou ontem estar de acordo com a proposta egípcia de um cessar-fogo na região, mas com algumas "ressalvas". O plano prevê uma trégua de dez dias, a retirada completa das tropas israelenses e a reabertura das fronteiras da Faixa de Gaza. O governo de Israel não comentou as declarações, mas anunciou que o principal negociador israelense, Amós Gilad, irá para o Cairo para mais uma rodada de discussões com o presidente egípcio, Hosni Mubarak, e o chefe da inteligência do país, Omar Suleiman. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chega hoje a Jerusalém para reunir-se com o presidente Shimon Peres e pressionar Israel a pôr fim à ofensiva. Apesar dos impasses aparentes, fontes diplomáticas egípcias acreditam que a trégua pode ser anunciada até sábado.

- Não estamos adotando a proposta, mas concordamos com seus princípios. Há algumas ressalvas, já que o projeto inclui muitos pontos, e os dois lados têm o direito de dar suas opiniões e interpretar cada um desses pontos - disse o chefe da delegação do Hamas, Salah al-Bardawil.

Ataque atinge até cemitério na Faixa de Gaza

No Líbano, Osama Hamdam, oficial do alto escalão do grupo, disse que o rascunho não atende aos interesses nacionais palestinos, mas ressaltou que "não há iniciativa que não possa ser alterada em negociações". Diplomatas egípcios envolvidos nas conversas afirmam que o Hamas está hesitante em assinar um cessar-fogo de longo prazo. Para analistas, o controle dos postos de fronteira é um dos entraves para a aprovação do texto. Segundo a rede de TV al-Arabiya, o Hamas teria aceitado, inclusive, passar o controle das fronteiras às forças controladas pelo partido moderado Fatah, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, com supervisão internacional.

A medida seria interpretada como um primeiro passo para a reaproximação das duas maiores facções políticas palestinas, mergulhadas numa crise de um ano e meio, que dividiu a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e a Cisjordânia, pelo Fatah, em centros de poder distintos.

- Por enquanto é cedo para discutir a crise interna palestina. A prioridade é implementar um cessar-fogo imediato e aliviar as condições humanitárias da população civil - disse Abbas.

Mesmo em meio aos últimos esforços diplomáticos por uma trégua, a ofensiva militar foi intensificada. Cerca de 60 alvos foram bombardeados na Faixa de Gaza, e até um cemitério no bairro de Sheikh Radwan foi atingido. Em terra, cresceu o cerco à Cidade de Gaza, mas fontes militares dizem que houve poucos combates homem-a-homem. O Hamas estaria seguindo a estratégia de evitar o contato direto, travando uma verdadeira guerra de nervos contra os soldados.

O cessar-fogo diário de três horas para a entrada de ajuda humanitária não foi respeitado, mas um comboio de 111 caminhões de alimentos e medicamentos, além de 104 mil litros de combustível, entrou em Gaza pelo posto de controle de Kerem Shalom. De acordo com fontes médicas palestinas, com o número de mortos passando de mil as operações de ajuda são insuficientes e a ONU tem dificuldades para atender às necessidades básicas de 35 mil pessoas abrigadas em instalações da entidade.

Em Jerusalém, um grupo de organizações israelenses de direitos humanos anunciou um manifesto condenando as ações de Israel. O grupo classificou os danos à população civil de Gaza como "sem precedentes" e defendeu investigações sobre possíveis crimes de guerra.

Bolívia rompe relações diplomáticas com Israel

Pelo menos 18 foguetes caíram em Israel. Quatro atingiram Beersheba e Ashdod. E, pela primeira vez, o Hamas teria conseguido lançar uma bomba de fósforo branco - cujo uso é restrito pela lei internacional - contra Israel. Segundo o porta-voz da polícia, Miki Rosenfeld, o artefato explodiu perto de Sderot.

A tensão voltou ainda à fronteira com o Líbano. Pela segunda vez numa semana, três foguetes Katiúsha caíram em Kiriat Shmona. Nenhum grupo assumiu a autoria do ataque.

O clima de instabilidade cresceu com uma mensagem de áudio divulgada na internet por Osama bin Laden, convocando muçulmanos de todo o mundo a uma "jihad" internacional contra Israel. Foi a primeira mensagem do líder da al-Qaeda desde maio. O governo americano afirmou que a forma como a gravação foi divulgada mostra que o terrorista está isolado.

- A fita mostra seu isolamento e suas contínuas tentativas de permanecer relevante, num tempo em que sua ideologia está sendo questionado em todo o mundo - disse o porta-voz da Casa Branca Gordon Johndroe.

Em sinal de protesto contra a ofensiva israelense, a Bolívia seguiu os passos da Venezuela e rompeu relações diplomáticas com Israel. O presidente Evo Morales disse que seu governo entraria no Tribunal Penal Internacional com uma queixa por "genocídio" contra o presidente de Israel, Shimon Peres, e o primeiro-ministro, Ehud Olmert.

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