Título: A Anac e o céu aberto
Autor: Dornelles, Francisco
Fonte: O Globo, 17/01/2009, Opinião, p. 7

No início dos anos noventa, acordo aéreo assinado com os Estados Unidos permitiu que grandes companhias de aviação norte-americanas fizessem as linhas Brasil-Estados Unidos, que eram a principal fonte de receita da Varig na área externa.

Essas companhias norte-americanas reduziram enormemente o preço das passagens, em flagrante prática de dumping, o que feriu gravemente as finanças da companhia brasileira. No mesmo período, o Brasil conheceu uma política de desvalorização cambial, aumento das taxas de juros e de impostos, o que fez com que a Varig tivesse o custo de leasing de seus aviões substancialmente ampliado. Ainda no mesmo período, a Varig foi premiada com decisão do governo de tabelar o preço das passagens nas linhas internas. Assim começaram as dificuldades da Varig.

A administração da companhia, nessa época, caracterizada por enorme corporativismo, tampouco demonstrou competência para administrá-la. Mas, mesmo que assim não fosse, dificilmente conseguiria sair do cerco criado pelo governo federal.

As medidas antidumping, que têm por objetivo coibir práticas desleais adotadas por empresas visando à conquista do mercado internacional, os direitos compensatórios, que procuram anular os efeitos dos subsídios concedidos por países aos seus exportadores, as medidas de salvaguarda, que defendem o mercado interno contra o aumento abusivo da importação de determinados produtos, são institutos próprios do comércio internacional em mundo de economia aberta e cada vez mais globalizado.

Países apontados como baluartes do liberalismo econômico, como é o caso dos Estados Unidos e dos países da União Europeia, não hesitam em aplicar essas medidas na defesa de seus interesses comerciais.

O Brasil levou algum tempo para criar mecanismo de defesa comercial e muito oscilou na aplicação dessas medidas.

Hoje, o sistema de defesa comercial do Brasil está razoavelmente organizado. Integra a estrutura do Ministério do Desenvolvimento e conta com a presença de técnicos da mais elevada competência e honorabilidade.

Sofre, contudo, a influência da presença de representantes de outros ministérios, que integram o colegiado de defesa comercial, e que examinam as pendências comerciais olhando mais para as políticas dos ministérios que representam e menos para os princípios que regem o comércio internacional.

Entretanto, de acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), as medidas mencionadas contra práticas desleais de comércio são aplicadas somente no caso de mercadorias. Assim um país, como é o caso do Brasil, que tenha seu setor de serviços ameaçado por prática desleal de comércio não pode recorrer às medidas antidumping que só se aplicam no caso de importação de mercadoria.

Cabe, pois, ao governo brasileiro estabelecer regras que, ainda de forma indireta, defendam as empresas brasileiras de aviação da concorrência desleal e das práticas comerciais predatórias.

A Anac, que tanto fala em política de céu aberto e em desregulamentação de um setor que não tem como se proteger de práticas de dumping na área internacional, deve evitar que as empresas brasileiras de navegação aérea sejam levadas para onde o governo conseguiu levar a Varig.

A presidente da Anac em entrevista recente dada à imprensa afirmou que o governo fez bem deixando a Varig quebrar. O que ela deveria ter dito é que o poder público foi o grande responsável pelo que aconteceu com a Varig.

O Brasil já perdeu, praticamente, suas empresas de navegação marítima. Espero que o mesmo não venha a acontecer com as empresas brasileiras de navegação aérea.

FRANCISCO DORNELLES é senador (PP-RJ).