Título: Tombo nos investimentos
Autor: Bôas, Bruno Villas; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 18/01/2009, Economia, p. 27

Projetos de R$65 bi são adiados ou cancelados.

Motor do crescimento da economia brasileira até o terceiro trimestre do ano passado, os investimentos sofreram um golpe com o agravamento da crise econômica mundial, em meados de setembro. Companhias brasileiras e multinacionais anunciaram desde então o adiamento ou cancelamento de investimentos que somam R$65,5 bilhões no país, segundo levantamento do GLOBO. O dinheiro seria desembolsado ao longo dos próximos quatro anos em pelo menos 46 grandes projetos de 32 empresas, que atuam em oito dos principais setores da economia. Entre os empreendimentos atingidos, estão siderúrgicas, mineradoras, construtoras, usinas de açúcar e álcool, geradoras de energia e portos.

Parte dos projetos não tem data para sair do papel ou teve seu início de construção adiado por seis a 12 meses. Dois grandes empreendimentos - uma usina siderúrgica da Vale com a Baosteel e um megaporto da LLX Logística - foram totalmente cancelados, em um total de R$18 bilhões que simplesmente evaporaram.

Para economistas, o novo cenário marca uma significativa mudança no papel que os investimentos vinham desempenhando no crescimento da economia, com reflexos no mercado de trabalho. Marcelo Nonnenberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a queda é um sinal de que a economia do país caminha para tempos mais sombrios de baixo crescimento.

- O consumo, outro fator importante do crescimento, também está em queda. A economia vai crescer muito pouco este ano - diz ele, lembrando que o valor dos projetos afetados equivale a 42% do investido por empresas no país no terceiro trimestre de 2008 (R$152,6 bilhões).

Mineração e aço: maiores prejuízos

Os investidores alegam diferentes razões para a revisão dos projetos: menor demanda por seus produtos, escassez e encarecimento do crédito para financiar as obras e queda nos preços das commodities no mercado internacional. Em comum, todos apontam uma mesma origem dos problemas: a piora da crise em meados de setembro, após a quebra do banco americano Lehman Brothers.

Dos oito setores que reviram seus projetos, cinco negociam commodities e estão na base da economia brasileira. Mineração e siderurgia foram os mais afetados deles, com R$28,7 bilhões em investimentos adiados ou cancelados com a piora da crise. No segmento de papel e celulose, os impactos também impressionam: foram adiados projetos de R$8,55 bilhões desde setembro.

Nonnemberg lembra que, embora a maioria dos projetos tenha sido adiada (e não cancelada), não existe garantia de que seja retomada. Para ele, tudo dependerá da recuperação das economias mundial e brasileira:

- É mais prudente para as empresas adiar agora os investimentos e aguardar o andamento da crise. Poucas cancelam imediatamente o projeto. Então, é bem provável que nos próximos meses muitos desses empreendimentos sejam definitivamente cancelados - avalia.

O agronegócio foi outro setor duramente abalado. Somente em álcool e açúcar, a queda dos investimentos será de US$2 bilhões neste ano. O presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, explica que o setor sucroalcooleiro tinha previsto US$2,5 bilhões para 2009, mas as estimativas já foram revistas para US$500 milhões. Segundo ele, as empresas tinham 43 novos projetos previstos para este ano. O número caiu agora para 22.

- O que motivou a postergação dos investimentos foi o custo do crédito, que triplicou nos últimos meses - disse Nastari, para quem os planos adiados não devem ser retomados antes do prazo de dois anos.

A redução dos investimentos já trouxe reflexos para o mercado de bens de capital. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, diz que a crise provocou uma queda de encomendas. Segundo ele, o número de pedidos recuou 32,3% em novembro sobre outubro. Em dezembro, a queda foi de 26% frente ao mês anterior.

- Foi uma imensa reversão de expectativas. Estamos assustados com esses números. Esperávamos uma redução de cerca de 10% - afirma Aubert Neto.

Como as vendas do setor chegam a R$95 bilhões em um ano, o menor número de pedidos representa uma perda em torno de R$25 bilhões para os investimentos no país.

Em eletroeletrônicos, houve adiamento de projetos que ainda não foram iniciados. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, o clima de incerteza reduziu o consumo e deixou os empresários reticentes. Os investimentos no setor devem ficar em R$5,3 bilhões neste ano, contra R$6,2 bilhões em 2008.

País pode deixar de criar 70 mil vagas

Pelo menos 70 mil empregos podem deixar de gerados devido ao adiamento e cancelamento de projetos, volume que considera os empreendimentos da Vale e Baosteel, Anglo American, Aracruz Celulose, Votorantim Celulose e Papel, Coopercentral Aurora e Sadia. No domingo passado, o GLOBO antecipou que 600 mil empregos já foram perdidos em dezembro por causa da crise.

Na avaliação de técnicos da área econômica, a redução dos investimentos devido à crise já era esperada. No entanto, um assessor do Ministério da Fazenda acredita que o quadro poderá mudar com as medidas que serão anunciadas pelo governo, voltadas principalmente para a construção civil. O setor adiou projetos que somam R$7 bilhões, segundo a corretora Fator.

- Um investimento é uma aposta e quando o quadro fica incerto, é natural que haja adiamentos. A retomada desses investimentos vai depender das medidas que o governo adotar.

Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Júlio Gomes de Almeida, a continuidade do investimento depende de seu prazo de maturação. Quando uma empresa está com obras adiantadas, o custo de paralisação é alto.

- O investimento é uma aposta no futuro. Em momento de incerteza, o empresário para de investir de forma geral. Hoje, só continua com o negócio quem já está no meio do caminho ou pretende aplicar no longo prazo.

O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de base (Abdib), Paulo Godoy, diz que os investimentos em infraestrutura estão ligados à estabilidade de regras no mercado e à oferta de crédito. Para a Abdib, os investimentos no setor devem ficar em R$100 bilhões entre 2009 a 2010, mas tudo dependerá da crise.

Já a indústria automotiva não reviu planos, embora a crise tenha provocado demissões no setor. O vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto, afirma que, apesar de tudo, o mercado continua vigoroso:

- Temos muito espaço para crescer e vale a pena investir.