Título: Barrados no crédito
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 19/01/2009, Economia, p. 15

Bancos e comércio aumentam exigências a consumidor. Mais dez milhões ficarão inadimplentes.

Não basta ter o nome limpo na praça para obter crédito. Nem apenas comprovação de renda. Com a crise financeira global, o comércio e o setor financeiro vêm aumentando as restrições na hora de vender a prazo e de conceder novos empréstimos. O primeiro critério é quanto a compra vai comprometer da renda. Antes, o índice era de 30%; agora, é de 20%, em média. Além disso, profissão, tempo de emprego e local de residência passaram a ser variáveis obrigatórias na análise das empresas. O motivo é a alta na inadimplência nos últimos meses do ano passado - que chegou a dobrar em alguns casos - pegando boa parte do varejo desprevenido.

As restrições ganham ainda mais força neste início de ano, período em que, tradicionalmente, os calotes aumentam devido ao pagamento de impostos e de material escolar, para quem tem filhos. Segundo cálculos do professor Marcos Crivelaro, da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), 35 milhões de brasileiros estavam com suas prestações atrasadas entre os 80 milhões que entraram em algum financiamento em 2008. Para este ano, esse número deve aumentar até 30%, afirmam economistas. Com isso, o total dos endividados pode chegar a 45,5 milhões.

De acordo com levantamento da Confederação Nacional de Dirigente Lojistas (CNDL), antes da crise - que se agravou em 15 de setembro de 2008, com a quebra do gigante bancário americano Lehman Brothers - sete em cada dez clientes eram atendidos ao solicitar crédito às instituições. Hoje, apenas 45% têm sucesso.

Segundo o Telecheque, o índice de reprovação era de 25% até setembro de 2008. Após a turbulência financeira, subiu para 40%. Francisco Valim, presidente da Serasa, diz que as maiores restrições de crédito e os juros altos aumentaram a inadimplência em 8% em 2008, maior nível em dois anos:

- A redução de empregos vai aumentar a inadimplência. No fim de 2008, as restrições aumentaram ainda mais, pois comércio e bancos não estavam preparados para o boom do crédito. Prova disso é que o número de consultas ao Serasa continuou em alta, e as vendas desaceleraram. Todos estão se protegendo.

Análise de risco: serviço cresce 15%

Precavidas, redes varejistas e financeiras têm procurado cada vez mais sistemas de análise de risco de crédito oferecidos por Serasa, CNDL, Equifax e Telecheque. A demanda por esses sistemas - que classificam o consumidor e projetam a sua capacidade de honrar compromissos futuros - aumentou em até 15% desde outubro.

No comércio varejista do Rio de Janeiro, por exemplo, cerca de cinco mil novas empresas devem contratar serviços de análise de risco até o fim deste ano, segundo o Clube de Diretores Lojistas do Rio (CDL-Rio). Hoje, já são 15 mil, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC). A Equifax, que tem em sua base de dados informações de 150 milhões de CPFs, diz que bancos e financeiras têm optado, em sua maioria, por clientes conhecidos e restringido concessões aos "desconhecidos".

- Todos querem maximizar seus resultados. Só dão dinheiro para quem sabem que vai pagar. Os bancos não concedem crédito para quem já está no cheque especial. O serviço de cobranças aumentou muito. Lançamos um novo serviço com variáveis novas, com o estilo de vida, a idade e o local de residência - conta Marilene Vadalá, gerente de Comunicação e Produtos da Equifax.

Neste novo cenário, a perspectiva de desemprego fez com que funcionários do setor industrial, como de bens duráveis e metalurgia, e do comércio, por exemplo, passassem a ter mais dificuldade para obter empréstimo. O mesmo vale para quem mora em áreas onde a renda média é baixa.

A grife Myth, de moda feminina, com sete lojas no Rio, é um exemplo. A empresa barrou a compra de diversos clientes através do serviço análise de crédito que contratou, depois de ver o número de calotes dobrar no fim do ano passado. Além disso, criou mais restrições. O limite do cheque, por exemplo, caiu de R$500 para R$300.

- Cheque sem entrada não existe mais. A avaliação que usamos hoje é mais criteriosa, verificando, por exemplo, se a pessoa já teve problema anterior. Isso ajuda muito - explica Fabiana Dalmaso, diretora da grife.

A construção civil é outro exemplo. A construtora Zayd já "perdeu" 80 negócios desde novembro. Além de comprovante de renda, a empresa passou a pedir histórico do pagamento de cartão de crédito e mensalidades escolares, para casais com filhos.

- Passamos a avaliar quanto do orçamento está livre. Antes, não era feita essa análise - diz Barão Tozini, diretor-presidente da Zayd.

Margarida Gomes, que trabalha com serviços gerais, está com dificuldades para pagar suas prestações. Aos 58 anos, não sabe o que fazer para ficar em dia novamente:

- As empresas estão pedindo mais coisas para liberar compras. A situação está muito dífícil. Não sei o que fazer.

O presidente da CNDL, Roque Pellizzaro Júnior, prevê alta de 30% na inadimplência este ano. Segundo ele, cerca de 14% das dívidas em atraso se concentram em valores acima de R$500. Miguel José Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), acredita que o calote deve subir de 20% a 30%. Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, concorda:

- O aumento só não será maior porque o governo reajustou a tabela de Imposto de Renda e ainda há o aumento do salário mínimo. O aumento dos juros básicos ao longo de 2008 teve um efeito nefasto para o consumidor.

Crivelaro, da Fiap, ressalta que o desemprego é a principal causa da inadimplência. Segundo ele, o número de brasileiros com parcelas em atraso pode até triplicar este ano:

- Acho que não é um cenário difícil de ser alcançado. Mais da metade das pessoas que ganham até três salários mínimos estão com alguma dívida.