Título: Hamas também declara trégua
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 19/01/2009, O Mundo, p. 20

GUERRA EM GAZA

Europa pressiona, e governo de Israel promete retirar tropas o mais brevemente possível

Renata Malkes

Horas depois do cessar-fogo unilateral de Israel, o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, também declarou trégua, embora os dois lados ainda não tenham negociado um acordo. O Hamas deu prazo de sete dias para o Exército israelense retirar suas tropas. Sob pressão internacional, Israel iniciou ontem a retirada. Seis chefes de governo europeus se reuniram no Egito e estiveram ontem com o premier israelense, Ehud Olmert, para pressionar pela manutenção do cessar-fogo e exigir a entrada de auxílio humanitário na região.

Olmert, depois da reunião com os líderes europeus, garantiu que o país não pretende reocupar a Faixa de Gaza, e que a retirada ocorrerá logo.

- Não temos planos de conquistar Gaza, não fomos até Gaza para isso e queremos sair o mais rápido possível, assim que tivermos certeza de que a trégua é estável - disse Olmert, que afirmou sentir remorso pela morte de civis na região.

A trégua unilateral declarada por Israel durou menos de seis horas e, durante a madrugada, soldados enfrentaram milicianos do Hamas no campo de refugiados de Jabaliya. O grupo revidou com o lançamento de pelo menos 20 foguetes Grad contra cidades no sul do país. No fim da manhã, porém, as armas silenciaram pela primeira vez desde o dia 27 de dezembro. Os primeiros tanques e soldados - alguns sorridentes e fazendo o "V" da vitória, outros sérios e com aparência cansada - atravessaram a fronteira da Faixa de Gaza para Israel.

Numa prova de que a trégua é instável, o Hamas fez exigências para o fim do conflito que, com os combates de ontem de manhã, completou 23 dias. A liderança política do grupo também declarou uma trégua unilateral e exigiu a saída das tropas e a reabertura das fronteiras da região.

Número de mortos deve aumentar

A reunião em Jerusalém ocorreu depois de o Egito ter sido o anfitrião do maior encontro entre líderes mundiais para discutir a crise desde o início da guerra. No Cairo estiveram os chefes de governo de França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Itália, e do país que ocupa a presidência da União Europeia, a República Tcheca. A chanceler alemã, Angela Merkel, definiu como sendo uma "presença em peso da Europa" para se conseguir um cessar-fogo. Além dos europeus, estiveram os presidentes da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e da Turquia, e os secretários-gerais da ONU e da Liga Árabe.

Depois da reunião do Cairo, os europeus viajaram para se reunir com Olmert. Ao fim do encontro, o presidente tcheco, Mirek Topolanek, leu, ao lado do premier israelense, o que chamou de resumo da reunião no Egito. Na mensagem, a UE afirma que "a prioridade número um" é a entrada "sem entraves" de ajuda humanitária em Gaza. O premier britânico, Gordon Brown, prometeu 20 milhões de libras esterlinas (R$69 milhões) para auxiliar na reconstrução.

Na reunião com o premier de Israel, os europeus também convocaram o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, a se engajar no processo de paz do Oriente Médio. Os EUA não participaram da reunião no Cairo.

Analistas ainda se mostram céticos quanto à implementação do plano apresentado pelo governo do Egito. Um dos entraves é a recusa insistente do presidente egípcio, Hosni Mubarak, a permitir a presença de observadores estrangeiros na fronteira entre Gaza e o Egito, onde estão os túneis que permitem ao Hamas contrabandear armas - mas também mantimentos essenciais para a população, que está sob cerco há 18 meses.

Com o cessar-fogo, milhares de palestinos puderam sair às ruas para ver o que restou de suas casas e tentar, muitas vezes com as próprias mãos, retirar os corpos de parentes soterrados há dias ou até semanas. Pelo menos 95 corpos foram resgatados entre escombros de prédios nos arredores da Cidade de Gaza. Até ontem, haviam sido confirmadas as mortes de 1.250 palestinos, a maioria civis. A Cruz Vermelha disse que este número deve aumentar agora que mais corpos podem ser resgatados em áreas devastadas por Israel. Treze israelenses morreram, três deles civis.

Outras pessoas descobriram que suas casas foram destruídas.

- Alá! Alá! Não tenho mais casa! Onde as crianças vão dormir? O que vão comer? Quando poderão voltar à escola? - gritava, desesperada, uma mulher vendo os restos de sua casa no distrito de Tel al-Hawa.

Dos 20 foguetes lançados pelo Hamas ontem, quatro atingiram Ashdod e Kiriat Gat, no que pode ser interpretado como uma última demonstração de força do Hamas antes da trégua.

- No Oriente Médio, nunca há perdedores numa guerra, todos sempre vencem. Israel já disse ter saído vitoriosa e o Hamas dirá a mesma coisa. Essa última salva de foguetes é a declaração de triunfo do grupo, que já prepara uma grande manifestação em Jabaliya no próximo sábado - disse o comentarista Tzvi Yeheskeli, do Canal 10.