Título: Teto de remendos
Autor: Farah, Tatiana; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 20/01/2009, O País, p. 3
TRAGÉDIA NO TEMPLO
Telhado da Renascer, que desabou e matou nove pessoas, tinha problemas há anos.
Oexcesso de peso sobre as vigas de sustentação é uma das possíveis causas para o desabamento do telhado da sede da Igreja Renascer, no domingo, segundo avaliação do coordenador da Defesa Civil de São Paulo, coronel Orlando Rodrigues de Camargo Filho. Construído em 1973, o prédio já abrigou um cinema e uma concessionária de carros, e sua estrutura foi apenas adaptada para receber novos e pesados equipamentos, como aparelhos de ar-condicionado e ventiladores.
O coronel disse que, sob os escombros, encontrou muito material metálico e gesso, o que reforçaria a hipótese de sobrecarga de peso. O acidente provocou a morte de nove pessoas - todas mulheres, com idades entre 15 e 80 anos - e deixou 112 feridos. Destes, 22 permaneciam internadas até ontem à noite, sendo oito em estado grave (entre eles, uma menina de 9 anos). As buscas do Corpo de Bombeiros por mais vítimas foram encerradas à tarde.
Contrariando a informação de domingo, a Renascer admitiu que trocou, no fim do ano passado, as telhas. Até então, o presidente da igreja, Geraldo Tenuta Filho, dizia que o prédio havia passado por reforma há três anos e que, recentemente, houve apenas a pintura da fachada. Segundo a Renascer, a empresa Etersul foi contratada para a troca de telhas.
As telhas velhas foram trocadas por outras do mesmo modelo, de fibrocimento (amianto). Segundo a prefeitura, o amianto é proibido em São Paulo desde 2001, por ser considerado tóxico. Tenuta negou que a igreja tenha sido negligente:
- Se tivesse qualquer negligência de nossa parte, a minha filha não estaria aqui, no culto das 17h. Foi ela que me avisou pelo telefone.
"Achei que era um efeito especial"
Fiéis afirmam que o telhado era problema recorrente na sede da Renascer já há quatro anos. Segundo uma evangélica ouvida pelo GLOBO, mesmo Sonia e Estevam Hernandez, fundadores da igreja e que hoje cumprem pena nos EUA, queixavam-se do telhado.
A Polícia Civil já ouviu 25 testemunhas do desabamento. O Instituto de Criminalística deve apresentar relatório final em até um mês. Os fiéis disseram que tiveram de se refugiar embaixo do altar. O desabamento foi em cascata, e elas saíram pelas portas dos fundos. Quem também ficou perto das pilastras conseguiu se salvar.
Os bombeiros informaram que fazia dois anos que não fiscalizava equipamentos de segurança na Renascer.
- Na hora achei que fosse um efeito especial. Olhei para as luzes azuis do Espírito Santo (uma pomba gigante de gesso, que ficava no teto) e vi tudo tremer. Depois pensei que fosse o fim do mundo - conta José Cavalcante de Souza Neto, de 42 anos.
Em 1999, a sede da Renascer foi interditada pelo Contru (órgão da prefeitura que fiscaliza edificações na cidade) exatamente por causa de problemas no teto. Para voltar a funcionar, a prefeitura pediu que a igreja requisitasse um laudo ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e seguisse recomendações dos especialistas. As adaptações, segundo a Renascer, foram feitas. A igreja disse que a última grande reforma no telhado foi em 1999: "A estrutura de madeira que sustenta o telhado foi aliviada de qualquer peso extra. O ar-condicionado central, os dutos de distribuição de ar, os rufos e calhas, o teto de gesso, as luminárias, tudo passou a apoiar-se numa estrutura metálica sem ligação com a estrutura do teto", disse.
Ainda segundo a Renascer, "nos testes realizados na época, apurou-se que a margem de segurança era até maior do que a prevista". "Os testes foram realizados novamente agora, com técnicas praticamente dez anos mais novas, e os resultados se mantiveram", diz a nota da igreja.