Título: De Luther King e Obama ao STF
Autor: Teixeira, Miro
Fonte: O Globo, 20/01/2009, Opinião, p. 7

Desde 1986, a terceira segunda-feira de janeiro é o único feriado nacional dedicado à memória de uma única pessoa, nos Estados Unidos. É o Dia de Martin Luther King Jr., líder de lutas pelos direitos civis, que viveu cercado, ameaçado, difamado, enaltecido e admirado e morreu assassinado em quatro de abril de 1968.

Coincide, agora, o Martin Luther King Jr. Day com a posse de Barack Obama, a mostrar, com o intervalo de poucas horas, a evolução de décadas da História de lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos da América.

Em 1960, Martin Luther King protagonizou o começo de um dos mais importantes capítulos dessa luta. Depois de cercado em uma universidade, onde participava de um ato público, e ter a casa incendiada e bombardeada, com a família dentro, por duas ou três vezes - há controvérsias -, mobilizou formadores de opinião e conseguiu publicar anúncio de página inteira no "New York Times", denunciando as violências praticadas contra ele e seus seguidores em Montgomery, Estado de Alabama, única forma de angariar fundos e fazer com que todo o país tomasse conhecimento do que lá se passava.

O comissário Sullivan, chefe da polícia e dos bombeiros de Montgomery, declarou-se difamado na ação que moveu contra o jornal e ganhou uma indenização de 500 mil dólares. O caso chega em abril de 1964 à Suprema Corte dos Estados Unidos, onde a sentença é revogada, e firma-se, com força constitucional, a decisão de impedir que oficiais públicos, mesmo com base em leis estaduais, requeiram indenizações contra críticas à sua conduta oficial.

"New York Times versus Sullivan" assegurou a divulgação de outras campanhas de Luther King pelos direitos civis, cuja carga histórica robusteceu a pretensão de Barack Obama se tornar presidente.

Aqui como nos Estados Unidos da América há entre os cidadãos os que voluntariamente se habilitam a cargos públicos, por eleição, nomeação ou concurso, e dispõem de imunidades, que devem ser preservadas, para dedicar-se vigorosamente ao trabalho a que se propõem. Da Constituição ao Código Penal encontram-se dispositivos a protegê-los no exercício de suas funções, como são protegidos os advogados e outros procuradores nas causas em que atuam. Bom que seja assim.

O que nos falta é decisão assemelhada ao Caso Sullivan, quanto ao reverso da medalha. Os cidadãos também têm o direito de se manifestar livremente, sem o risco de processos, sobre a conduta de suas autoridades, como descreve o juiz Brennan, na opinião da Suprema Corte:

"Se a crítica política puder levar à indenização por difamação, por ter ferido a reputação do oficial público, então, os cidadãos críticos não terão segurança para pronunciar nada sobre o governo e seus oficiais, que não sejam elogios pouco duvidosos. O crítico vigoroso da conduta do governo, seja ele cidadão ou imprensa, logo será substituído pelo silêncio, isso se os oficiais governamentais, em vez de responderem às críticas, recorrerem a júris amigáveis para calar a crítica a sua conduta oficial."

Este é um dos principais aspectos do processo em curso no Supremo Tribunal Federal, do qual é relator o ministro Carlos Ayres Britto, sobre liberdade de informação jornalística, cujo mérito será julgado em fevereiro.

Que a sucessão de acontecimentos externos ajude o STF a decidir que, também no Brasil, o direito de censura é do povo sobre o Estado e não do Estado sobre o povo.

MIRO TEIXEIRA é deputado federal (PDT-RJ).