Título: Atacada, ONU suspende ajuda
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 09/01/2009, O Mundo, p. 29

Comboio é alvejado por Israel durante trégua. Conselho de Segurança pede cessar-fogo imediato

No dia em que ataques a dois comboios de ajuda humanitária durante o período de cessar-fogo levaram Israel a ser duramente condenado por organizações como as Nações Unidas e a Cruz Vermelha, o Conselho de Segurança da ONU adotou, ontem uma resolução que pede um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, que leve à retirada total das tropas. Os Estados Unidos se abstiveram, mas não exerceram seu poder de veto.

O ataque ao seu comboio, em que dois motoristas da agência de ajuda aos refugiados palestinos (UNRWA) foram mortos por disparos de tanques, levou a ONU a anunciar a suspensão das operações na Faixa de Gaza "até que as autoridades israelenses possam garantir a segurança" dos funcionários. Um outro comboio da Cruz Vermelha também foi atingido, deixando um motorista ferido.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha acusou ainda aos israelenses de impedir a ajuda aos feridos, e a Anistia Internacional disse que tanto o governo israelense quanto o Hamas estão usando civis como escudos. As fortes críticas das agências humanitárias vêm em meio ao temor de que o conflito se amplie, depois que foguetes disparados do Líbano atingiram o norte de Israel, desencadeando uma resposta da artilharia.

Nos Estados Unidos, o Departamento de Estado pediu a Israel que amplie a janela de cessar-fogo para permitir o acesso da ajuda à Faixa de Gaza, tendo em vista sua "desesperada situação humanitária" na região, onde vivem 1,5 milhão de palestinos. Segundo a ONU, 257 crianças já morreram no conflito e 1.080 foram feridas.

O ataque ao comboio da ONU ocorreu dias depois de três escolas da organização serem atingidas, matando 43 pessoas. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, condenou o ataque ao comboio e pediu uma investigação. "A incapacidade de a ONU fornecer assistência nessa crise humanitária é inaceitável", disse, em nota. Israel afirmou que vai investigar o caso do comboio da ONU e nega que os disparos tenham sido feitos durante a abertura do corredor humanitário.

Faltam energia, combustível, água potável e medicamentos e, segundo organizações não-governamentais, a situação tornou-se insustentável. A Cruz Vermelha exigiu que o acesso à Faixa de Gaza seja liberado para socorrer os feridos e impedir a morte de um número ainda maior de crianças.

- Temos tentado coordenar nosso trabalho com o Exército e ainda assim continuamos sendo alvos. As operações estão suspensas até que haja condições mínimas de segurança - disse o porta-voz da UNRWA, Chris Gunness.

Depois do início da trégua, às 13h (9h de Brasília), um comboio de 89 caminhões com 2,2 toneladas de ajuda cruzou a fronteira de Israel pelos postos de controle de Nahal Oz e Kerem Shalom. Testemunhas afirmam que era possível ouvir disparos de artilharia israelense. Segundo o porta-voz da ONU, Adnan Abu Hasna, os caminhões estavam marcados com o símbolo da ONU. Os disparos atingiram o comboio perto do campo de refugiados de Jabaliya, matando dois palestinos. Aterrorizados, os nove mil funcionários da instituição negaram-se a manter as operações.

Apesar de a princípio a UNRWA anunciar a suspensão total das operações em Gaza, a organização informou, em Genebra, que a medida se limitaria às missões que envolvem deslocamento, como o envio de alimentos. A ONU distribui comida a 750 mil palestinos na Faixa de Gaza.

- Se alguém chegar aos nossos centros de distribuição, receberá comida - disse Elena Mancusi Materi, porta-voz da UNRWA em Genebra.

O número de mortos na ofensiva já chega a 770, e pelo menos 3,2 mil pessoas ficaram feridas do lado palestino. Do israelense, 12 foram mortos.

Crianças junto a corpos das mães

Pela primeira vez desde o início da ofensiva, equipes da Cruz Vermelha conseguiram acesso ao bairro de Zeitoun, na Cidade de Gaza, e quatro crianças tão fracas a ponto de não conseguirem ficar em pé foram encontradas junto aos corpos de suas mães. Segundo o porta-voz da missão da Cruz Vermelha, Pierre Wettach, havia soldados de Israel a menos de 100 metros do local. Os pedidos para acesso à vizinhança foram recusados por quatro dias.

- Foi chocante. Havia um tanque, soldados e eles nada fizeram. O Exército, além de não ajudar no socorro aos feridos, vem impedindo que nós e os voluntários do Crescente Vermelho cheguemos aos locais para prestar assistência - disse Wettach.

Em Londres, a Anistia Internacional acusou tanto Israel quanto o Hamas de usarem civis como escudos: "Soldados israelenses entram e assumem posições em casas palestinas, obrigando as famílias a ficarem em um cômodo enquanto usam o restante como base militar", disse a organização.

Em Jabaliya, centenas de pessoas desafiaram o medo dos bombardeios para participar dos funerais das vítimas do ataque à escola da ONU.

- Nunca pensei que bombardeassem uma escola internacional. De agora em diante eu sou membro do Hamas - chorava um homem, lamentando a morte da filha, de 11 anos.

Após três dias de reuniões de emergência, o Conselho de Segurança da ONU finalmente chegou a um acordo e aprovou uma resolução na qual pede um cessar-fogo imediato em Gaza.

"O Conselho de Segurança ressalta a urgência e pede um cessar-fogo imediato, duradouro e que seja totalmente respeitado, e que leve à total retirada das forças de Israel de Gaza", diz o trecho mais importante do texto.

Resoluções são medidas que os Estados-membros da ONU têm a obrigação de respeitar. Os EUA, que vinham vetando a aprovação de qualquer medida contrária a Israel, permitiram a aprovação da resolução, mas foram o único país a se abster. Fontes afirmam que o país trocou o termo "exigir" por "pedir" um cessar-fogo. Os países árabes, depois de relutarem, aceitaram a nova formulação.

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