Título: Primeira hora
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 22/01/2009, Economia, p. 22

O pacote fiscal de Obama é insuficiente. É menor do que o que será perdido este ano pela recessão e representa, na melhor hipótese 0,75% do PIB americano. Obama terá que ser ousado, ter medidas convincentes, para usar o momento a seu favor. Aqui, os juros caíram para 12,75%, mas precisam cair mais. Não por pressão política, mas por razões técnicas: a inflação está cedendo e a economia, derretendo.

O alerta do presidente Obama, de que a ameaça é real, já se confirma nas primeiras horas, com o agravamento da crise bancária. A nova crise de confiança em relação a bancos americanos e europeus, que apareceu na semana passada, está rondando as instituições financeiras, e a equipe do novo presidente já se debruça sobre que estratégia usar. Ele prometeu mudanças, disse que não resgataria Wall Street e sim Main Street, mas é a rua do mercado financeiro que volta a tremer.

Na economia, o entusiasmo político, que parece apenas ingrediente de festa, confeito de bolo, é estímulo importante numa época como a nossa. Barack Obama pode se alavancar usando o otimismo da lua-de-mel com os eleitores. O economista Vinod Thomas, do Banco Mundial, definiu esse vigor da alegria política como "estímulo econômico não-convencional", avisando que ele melhora a confiança dos consumidores e injeta ânimo em investidores. Mas Vinod também acha que o pacote é pouco, o pacote pré-anunciado de US$775 bilhões de gastos e redução de impostos em dois anos.

- Será o suficiente? A recessão é profunda, no quarto trimestre de 2008 o PIB caiu 6% em relação ao trimestre anterior. O desemprego está crescendo. Os EUA podem produzir de US$12 trilhões a US$15 trilhões por ano. Então, o estímulo proposto representa de 0,5% a 0,75% do PIB. A chave será um investimento de alta qualidade e alto impacto.

O aumento de gasto público em investimento como infraestrutura não é remédio infalível. Não funcionou no Japão, por exemplo. O economista Nouriel Roubini vai por essa mesma linha na sua análise eletrônica, de que o dinheiro previsto não é suficiente. Ele lembra que está havendo uma significativa redução do crescimento no quarto trimestre do ano passado e no primeiro deste ano e que o pacote vai ajudar pouco. Apenas US$100 bilhões - dos quase US$500 bi - de obras públicas começarão a ser gastos nos primeiros três meses de governo. "Dada a prevista retração na demanda privada de US$700 bilhões este ano, o pacote de estímulo, que pode subir para US$800 bilhões ou mais, distribuído em dois anos, pode não ser o suficiente para reverter a recessão de 2009." Diz ainda que esse tipo de investimento em energia, em inovação energética, cria emprego a médio prazo.

O pior desse momento é que os bancos continuam estremecendo. Ontem, a Inglaterra anunciou que vai comprar ativos podres dos bancos. Isso significa uma mudança em relação à política inicialmente proposta pelo primeiro-ministro Gordon Brown. Economistas americanos começam a falar naquela estrutura que nós bem conhecemos: separam-se os ativos em banco bom e banco podre, e o governo usa o dinheiro restante do pacote anterior para comprar os ativos tóxicos. A equipe de Obama tem dito que o dinheiro do velho pacote foi usado de forma ineficiente. Tanto é verdade que a nova era em Washington começa com o risco de que novos resgates bancários sejam necessários. Em outras palavras: a crise bancária continua.

O novo governo americano começa cercado por duas ameaças. Por um lado, o dinheiro previsto no pacote pode ser insuficiente; por outro, há limites para o uso de dinheiro público, porque no ano fiscal de 2009 o déficit pode chegar a US$1,3 trilhão.

- Essa é uma recessão global, que pode levar dois ou até três anos para ser revertida e que pode exigir investimentos globais de 2% do PIB global. O desafio é grande, a oportunidade também é imensa - disse Vinod Thomas.

No Brasil, a queda da taxa de juros em 1 ponto percentual, para 12,75% ao ano, decidida ontem pelo Banco Central, era necessária, mas outros cortes virão. O país continua campeão de juros reais, ou seja, taxa nominal de juros descontada a inflação. Os juros nominais são maiores na Venezuela (18%), na Turquia (13%) e na Rússia (13%), mas a inflação é maior nesses países. Na Venezuela é 25%. No Brasil, a inflação ainda é alta, mas está em queda. A deflação nos últimos IGPs indica que não está havendo repasse da alta do câmbio para os preços dos produtos, que era o maior temor do BC. Se não está havendo repasse, se a inflação no atacado, os preços ao consumidor e a expectativa de inflação estão caindo, o Copom tem que continuar derrubando as taxas de juros. Fomos colhidos pela parada brusca da economia no meio de um ciclo de aperto monetário. O ambiente econômico mudou radicalmente, é hora de recuar os juros vigorosamente.

A duração da recessão global, o vigor da recuperação, o fim da crise bancária vão depender muito do que o presidente Obama fizer nos próximos dias. Ele não pode correr o risco de apostar todas as fichas numa arma apenas, tem que tentar várias. A crise está se aprofundando, a economia americana naufragando, o que afeta o mundo todo.