Título: Papel do BNDES como hospital de empresas divide especialistas
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 23/01/2009, Economia, p. 2

Ex-diretor do BC diz que o governo emite títulos e banco dá taxa subsidiada.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já foi chamado de hospital de empresas, justamente por dar financiamentos, a juros baixos, a companhias com saúde financeira abalada. O dinheiro era farto e barato.

É que, em menos de 48 horas, o BNDES liberou R$2,4 bilhões para viabilizar a maior empresa de celulose de fibra curta do mundo, com a compra da Aracruz Celulose pela Votorantim Papel e Celulose (VCP). Ontem, foi a vez de o banco receber um reforço de R$100 bilhões do Tesouro, sendo que parte desse montante já tem como destino certo a Petrobras. A estatal recorreu recentemente à Caixa Econômica Federal para poder pagar impostos.

Lessa elogia o "hospital" e lembra lógica passada

Ainda que a justificativa para ajudar as empresas seja a sua relevância estratégica, o economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central (BC) e hoje sócio da MCM Consultores, não aprova a prática, apesar da crise financeira:

- O país não está num estágio de desenvolvimento econômico em que possa abrir mão de recursos públicos em setores como saúde, educação e segurança pública.

Além do mais, diz José Júlio, como os recursos do banco vêm do Tesouro, isso significa que o governo emite títulos da dívida pública, com juros altos, e o banco os repassa a juros baixos, embutindo um subsídio.

Já o economista Carlos Lessa, ex-presidente da instituição, acha muito bom que o país conte com "um hospital" como o BNDES. Quando presidente do banco, ele tentou salvar a Varig da insolvência, mas foi derrotado na sua proposta.

José Márcio Camargo, economista da PUC-Rio, acha que o empréstimo é justificável em algumas situações, como a atual:

- Não é claro, no caso da Petrobras, que a ajuda seja socorro, porque a empresa apostou num cenário e foi surpreendida pela crise.

A prática de socorrer empresas em dificuldades era comum nos anos 80. Foi uma época em que o empresariado paulista tinha acesso irrestrito ao banco, tanto assim que o BNDES acabou recebendo a alcunha de "Recreio dos Bandeirantes" porque a maior parte dos empresários atendidos vinha da elite paulista. O nome mais emblemático da época era o do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Luís Eulálio Bueno Vidigal. Além dele, havia outros, como Claudio Bardella.

Nos anos 90, o banco foi mais voltado para as privatizações. No governo FH, a expressão "política industrial" saiu de moda, e o banco assumiu o papel de gestor das vendas de estatais.

- Foi a década da lógica do mercado, quando defendia até que o BNDES deveria virar uma espécie de Lehman Brothers - lembra Lessa, ironizando a situação.

O Lehman quebrou em setembro de 2008.

Os presidentes seguintes, o atual ministro Guido Mantega e Demian Fiocca, rejeitavam a expressão hospital de empresas, mas o banco, para alguns economistas, como José Júlio, nada mais é do que um grande pronto-socorro.