Título: Nosso mercado é mais regulado do que o internacional
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 25/01/2009, Economia, p. 31
Presidente da CVM diz que volume das operações com derivativos surpreendeu em empresas não-financeiras
Apesar das gigantes perdas na Bolsa em 2008, o mercado brasileiro deu sinais de maturidade na sua regulação. Para 2009, a presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, espera mais agilidade nos julgamentos da autarquia. O ano começa com um enorme desafio: aprovar as mudanças na Instrução 202, que regula o registro de companhias abertas. Entre as propostas da CVM, está abrir os salários de altos executivos das empresas.
Felipe Frisch
O mercado brasileiro mostrou maturidade diante dos outros países em 2008?
MARIA HELENA SANTANA: Acho que sim. Embora tenhamos dedicado atenção à crise, o único problema (decorrente dela) a que resolvemos nos dedicar foi um que não estava no foco e se materializou. Foi a questão dos derivativos (contratos cambiais, que apostavam na continuidade da fraqueza do dólar), uma surpresa para todos, assim como o fato de terem assumido o tamanho que assumiram em empresas não-financeiras. O nosso mercado é mais regulado do que o mercado internacional com relação a produtos negociados em balcão (fora de bolsas de valores), que precisam ser reportados ao regulador de cada agente: a CVM, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) ou o Banco Central.
Por isso, a CVM lançou a Instrução 475 (sobre a apresentação de informações sobre instrumentos financeiros). Ela resolve a questão?
MARIA HELENA: Ela contribui, mas um único instrumento não resolve tudo sozinho. Ela torna obrigatório o quadro de sensibilidade que fale do impacto dos instrumentos financeiros em três cenários possíveis. Acaba dando uma visão sobre a verdadeira estrutura dos produtos (financeiros), à qual não se poderia ter acesso apenas com as notas explicativas dos balanços. A nova Instrução 202 (que regula o registro de companhias abertas, com reforma em audiência pública até 30 de março) também ajudará a evitar esses problemas?
MARIA HELENA: O formulário das informações anuais (IAN) vai ter espaço para a política de gestão de risco e para mostrar como a companhia está estruturada para cumpri-la.
O caso não desperta a preocupação da CVM quanto às áreas financeiras das empresas ou quanto ao fato de uma empresa não-financeira ser dona de uma corretora?
MARIA HELENA: Não vejo mudança que precise ser feita. A regulação é muito clara. É crime qualquer participante negociar com base em informação que não seja pública. Falando em tese, em empresas ligadas pode ser mais fácil demonstrar essa relação entre o acesso à informação e o fato de ter operado, permitindo imposição de penas mais fortes pela CVM. Não é proibido ter corretora e a forma como a companhia negocia suas próprias ações é regulada.
Os casos de informação privilegiada ainda são considerados inevitáveis por boa parte do mercado. A CVM não tem como prevenir esses casos?
MARIA HELENA: O preventivo nesse caso é o próprio enforcement (a aplicação das regras), que tem o poder de prevenir os próximos casos, se for rápido e se o efeito educativo que esperamos de fato existir. Estamos avançando, mas ainda temos que avançar muito mais. Em 2008, fizemos a reestruturação da equipe da CVM para dedicar uma área só para processos. Espero que, ao longo de 2009, consigamos ver efeitos dessas mudanças na acusação mais rápida.
Seria possível haver fundos no esquema pirâmide (semelhantes ao criado por Bernard Madoff, nos EUA) no Brasil?
MARIA HELENA: Está tudo montado para que se tenha mais controle do que existiu nesse caso. Aqui, gestor e administrador de fundos têm que contratar um custodiante, que pode ser do mesmo grupo, mas tem que ser uma empresa separada. O próprio fundo tem que ter conta no nome. Qualquer informação vai refletir no registro eletrônico no nome do fundo. É uma segurança.