Título: Ex-tucano, Meirelles bate recorde no BC de Lula
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 25/01/2009, Economia, p. 31
Presidente do banco supera tempo no cargo de Ernane Galvêas, que comandou autoridade monetária entre 68 e 74.
BRASÍLIA. Um ex-tucano está fazendo história no governo Lula. Nesta terça-feira, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, baterá o recorde de permanência contínua à frente da autoridade monetária. Serão seis anos e 26 dias, deixando para trás Ernane Galvêas, que comandou o BC entre fevereiro de 1968 e março de 1974, sob a ditadura militar. Mais do que um feito pessoal, a longevidade de Meirelles - hoje não filiado a partido - é vista como amadurecimento das instituições do país e indica que a política econômica é de longo prazo.
- Esse recorde é importante, porque mostra que há continuidade da política econômica. Traz credibilidade aos investidores. Não podemos tirar o mérito também do presidente Lula - afirma o ex-presidente e atual conselheiro da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F Bovespa) Manuel Felix Cintra Neto.
Meirelles assumiu o BC no início da era Lula, em janeiro de 2003, e enfrentou muita cara feia. Havia acabado de ser eleito deputado federal por Goiás - o mais votado na história de seu estado - pelo PSDB, principal partido de oposição. Petistas e simpatizantes também não gostavam da sua formação: um banqueiro que comandou uma das maiores instituições do mundo, o americano BankBoston.
Centralizador, exigiu autonomia para assumir
Indicado pelo senador Aloizio Mercadante (PT-SP), uma das primeiras atitudes de Meirelles à frente do BC, ainda em janeiro de 2003, foi comandar a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que elevou a taxa básica de juros de 25% para 25,5% ao ano. Um mês depois, foi a 26,5%. Choveram críticas.
Mercadante conta que, em algumas ocasiões, discordou das decisões do BC, como em dezembro, quando o Copom não mexeu na Selic, apesar dos sinais de desaceleração com a crise.
- Eu critico, mas também defendo o Meirelles. A credibilidade internacional do BC cresceu muito com ele - diz.
Workaholic assumido, Meirelles é bastante centralizador. Fez exigências para assumir o cargo, como a garantia de autonomia - pelo menos na prática - para o BC tomar decisões. E conseguiu. Quer saber sobre tudo o que ocorre na instituição, mas também ouve quem trabalha com ele. Considerado conservador pelo setor produtivo, devido aos altos juros, é alvo de críticas. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, vê exagero no tamanho da Selic:
- O saldo é positivo. O Brasil consegue assegurar taxas de inflação baixas para o nosso histórico com crescimento econômico. Mas acho que a política monetária dele, com juros elevados, é exagerada.
A vida de Meirelles no BC não foi exatamente fácil. Além de encarar a crise de confiança no país em 2003, ele chegou a ser acusado - e absolvido - de sonegação de impostos pouco tempo depois. Foi elevado à categoria formal de ministro, para ter foro privilegiado.
Apesar disso, ainda tinha relação apenas formal com Lula, já que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, era o interlocutor preferencial do presidente. Quando Palocci caiu, em março de 2006, Meirelles passou a lidar diretamente com Lula e conquistou de vez sua confiança.
- Perseverança e paciência são as virtudes dele. O BC sempre é alvo de muitas críticas, mas é natural a posição conservadora - afirma Palocci, hoje deputado federal pelo PT-SP.
Os próximos passos de Meirelles são voltados para a política e, em princípio, concorrer ao governo de Goiás em 2010. Mas também trabalha nos bastidores para subir degraus mais altos, e não consegue esconder a vontade até de concorrer à sucessão de Lula. Antes de a crise se agravar, em setembro, Meirelles conversava com partidos aliados para uma possível filiação.
Parou para se concentrar na crise, mas interlocutores esperam que volte a negociar. Tem até setembro para se filiar e concorrer em 2010. O mais cotado para sucedê-lo é o diretor de Normas, Alexandre Tombini, da ala "menos conservadora".