Título: Bolívia aprova Carta, diz pesquisa
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 26/01/2009, O Mundo, p. 18

Boca-de-urna aponta vitória do "sim" com 60% dos votos mas evidencia polarização no país.

Pesquisas de boca-de-urna divulgadas por meios de comunicação bolivianos após o fim da votação de ontem apontaram a aprovação da nova Constituição Política do Estado (CPE) elaborada pelo governo Evo Morales. Segundo as sondagens, o percentual da vitória confirma que o país continua dividido em relação à nova Carta - que aprofunda os projetos socialistas do presidente, aumenta o controle estatal na economia, amplia a autonomia indígena e institui a reeleição. Em média, o "sim" recebeu cerca de 60% dos votos, contra 40% do "não". O resultado apertado fez a oposição avisar que o governo precisará negociar para conseguir aplicar as mudanças.

- Se o governo e o MAS (Movimento ao Socialismo) insistirem em uma postura triunfalista e tentarem impor este projeto, encontrarão nossa firme e inclaudicável resistência - disse o governador de Santa Cruz, Rúben Costas.

Para o presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, Branko Marinkovich, um dos principais líderes da oposição, houve "empate".

- O "não" ganhou em Santa Cruz, em Pando, em Beni, em Tarija. Hoje ninguém pode negar que temos uma Bolívia com duas visões distintas. Precisamos encontrar um pacto de convivência -- disse ele.

Entre as principais reivindicações dos governadores da oposição, que representam as regiões mais ricas do país, está uma maior autonomia para governar e gerir recursos.

- A aprovação por uma margem muito pequena não representa um pacto nacional. O governo terá que negociar - disse o secretário de Autonomia de Santa Cruz, Carlos Dabdoub.

Morales comemora o resultado das sondagens

Em discurso para milhares de pessoas que lotaram a Praça Murillo, da sacada do Palácio Quemado, em La Paz, Morales comemorou o resultado e rechaçou a reação da oposição.

- Aqui não há nenhum empate. Há um só ganhador, que é a CPE. Aqui não há nenhuma Meia Lua (região oriental do país onde estão os departamentos oposicionistas), há apenas uma lua cheia que é a unidade de todos os bolivianos - disse. - Hoje, graças à vontade soberana do povo, se refunda a Bolívia. Aqui termina o Estado colonial. Aqui também termina o neo-liberalismo. Aqui começa a nova Bolívia.

Analistas políticos e partidários de Morales diziam, antes do referendo, que somente um índice semelhante ao obtido pelo presidente no referendo de agosto, 67%, faria com que a oposição aceitasse pacificamente a nova Carta.

- Do ponto de vista formal o resultado é incontestável, mas o cenário político é complexo. Para ter um pacto nacional, segundo os próprios membros do governo, seria necessário um percentual como 70%, 80% - disse o analista Dorio Medina.

Além da consulta sobre a Constituição proposta pelo governo, os bolivianos também votaram sobre a extensão máxima permitidas a propriedades privadas no país. A população, segundo as pesquisas, determinou com 70% dos votos o limite de 5 mil hectares, contra 30% para o máximo de 10 mil hectares.

Observadores dizem que votação foi limpa

Ao contrário de todo o conturbado processo de elaboração da nova CEP, que deixou quase 20 mortos em Sucre (capital de Chuquisaca), Pando e Santa Cruz em dezenas de conflitos que puseram a Bolívia à beira da guerra civil, a votação aconteceu em clima de relativa tranquilidade.

-- Está tudo muito mais tranquilo do que no referendo revogatório de agosto. A Corte Nacional Eleitoral (CNE) está tecnicamente mais preparada e com mais capacidade de gestão - assinalou o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), integrante da comissão de observadores do Mercosul.

Onze missões com mais de 300 observadores internacionais acompanharam o referendo boliviano nos nove departamentos do país e atestaram que a votação foi limpa.

Foram registrados incidentes isolados como uma emboscada de partidários do "não" contra um grupo de defensores do "sim" em San Miguel Velasco, no departamento de Santa Cruz. Em La Paz, o padre Edgar Mena, da paróquia El Salvador, impediu a instalação de urnas na igreja alegando que os eleitores poderiam danificar o local. Morales e as igrejas Católica e evangélicas travam uma batalha sobre pontos da Constituição que, segundo os religiosos, abrem espaço para o aborto e a união de homossexuais.

A oposição denunciou fraudes em vários departamentos. Em Pando, líderes disseram à Justiça Eleitoral que defensores da CPE transportavam eleitores de uma zona eleitoral para outra.

- São declarações de derrotados. Certamente os que percebem que vão perder dirão que houve fraude - reagiu o presidente.