Título: Tensão cerca aplicação de Carta na Bolívia
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 28/01/2009, O Mundo, p. 28

Oposição oferece resistência à nova Constituição e movimentos ligados a Morales ameaçam radicalizar.

LA PAZ. Passados dois dias do referendo que aprovou a Constituição, o governo Evo Morales enfrenta dificuldades para aplicar a nova Carta. A oposição centralizada em Santa Cruz questiona o resultado do referendo (60% a favor e 40% contra, segundo pesquisas) e propõe um pacto nacional que implique na renegociação de alguns pontos. Morales, que ontem fez uma reunião ampliada de seu Gabinete para traçar estratégias de implementação da Constituição, se recusa a negociar mudanças no texto. Enquanto isso, movimentos sociais que apoiam o governo ameaçam radicalizar.

- Haverá um pacto para aplicar a nova Constituição. Não haverá pacto para revisar, modificar, porque a decisão soberana do povo deve ser respeitada - disse Morales, ontem de manhã, na abertura da reunião.

Segundo ele, o governo está aberto a sugestões, desde que respeitem os marcos da nova Constituição.

Oposicionista não considera que votação legitimou a Carta

Em Santa Cruz, os líderes oposicionistas argumentam que o resultado mostra uma divisão do país, já que grande parte da população votou contra a Carta, e o "não" venceu em departamentos como Santa Cruz, Tarija e Beni. Segundo eles, é preciso diálogo para uma aliança que dê mais legitimidade à Carta.

- Não interessa se o resultado é 60% a 40% ou 70% a 30%. O que importa é que há uma manifestação do povo boliviano e as partes têm que se unir para que não fique 60% a 40%, e sim 100% dos bolivianos unidos a favor da mudança - disse o secretário de Autonomia de Santa Cruz, Carlos Dabdoub.

Em carta aberta a Morales, o presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Branko Marinkovich, reforçou o discurso de que o resultado não legitima a Carta:

"Creio que ambas as visões são legítimas porque ambas receberam muitíssimo apoio da população. E não é correto nem democrático que nenhum boliviano negue a validade do voto de outros. Reconheço a grande votação do "sim", e você (Morales) tem tempo para reconhecer a grande votação do "não"".

O governo, porém, descarta uma negociação com Marinkovich alegando que ele incitou a invasão a prédios públicos em setembro. Na verdade, o governo aposta no isolamento do líder, que está em fim de mandato. O governo, por enquanto, aceita apenas antecipar a implantação da autonomia departamental prevista na Carta. Para os autonomistas, a proposta é tímida.

Enquanto isso, permanece a dúvida sobre as formas de aplicação do novo texto. O próprio governo tem dúvidas e, por isso, convocou a reunião do Gabinete ampliado ontem. Partidários do Movimento ao Socialismo, partido de Morales, defendem publicamente a antecipação das eleições para a nova Assembleia Plurinacional. A antecipação é vista pela oposição como uma tentativa de golpe, já que a Constituição garante maior presença dos grupos indígenas aliados de Morales na Assembleia. Hoje o governo tem maioria na Câmara e minoria no Senado.

Ontem, o presidente da Confederação dos Sindicatos dos Trabalhadores da Construção, Isaac Ávalos, aliado de Morales, ameaçou sitiar o Congresso caso o Senado se recuse a aprovar medidas que permitam a aplicação da nova Carta.

O presidente do Senado, Oscar Ortiz, de oposição, rechaçou a ameaça.

- Nossas posições não serão tomadas com base em ameaças. Vamos trabalhar respeitando a vontade desta outra parte do país que tem se posicionado de forma distinta - disse ele.

Para o constitucionalista Carlos Alarcón, existem duas saídas para uma solução pacífica. A primeira é a reforma do texto, já rechaçada por Morales:

- A segunda é a realização de acordos substantivos no âmbito do Congresso para a implementação dos dispositivos que já podem entrar em vigor.