Título: Congresso omisso
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Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2009, Opinião - Visão do Correio, p. 20

Todo esforço do Congresso Nacional é pouco para limpar a própria imagem. Nesse sentido, louva-se a preocupação do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), de evitar que o excesso de medidas provisórias paralise os trabalhos legislativos. A ideia é abrir brechas no trancamento da pauta de votações, mantendo a restrição apenas aos projetos de lei ordinários e preservando o fluxo de tramitação das emendas constitucionais, projetos de lei complementares e decretos legislativos. O paradoxo é que a Casa não se torna refém das MPs por falta de instrumentos para liberar-se nem fica de mãos atadas por culpa da lei. A paralisia está na própria inércia dos deputados e senadores.

A Constituição de 1988 deu ao presidente da República o poder de editar atos com força provisória de lei em casos que exijam a ação imediata do Estado e falte arsenal jurídico para o enfrentamento do problema. Ou seja, permite ao Executivo legislar em situações excepcionais, ainda assim por tempo determinado, até que o Congresso aprecie a matéria e supra a deficiência. As MPs, contudo, logo foram banalizadas. Tornaram-se ampla avenida por onde, desde a promulgação da Carta Magna, todos os governos trafegam acima do limite de velocidade. A fiscalização caberia ao parlamento, que se omite, deixando de cumprir o preceito constitucional expresso no § 5º do artigo 62.

Bastaria à Câmara e ao Senado submeter as MPs, com a devida presteza, à apreciação preliminar do mérito. Como a quase totalidade delas não atende aos pressupostos da urgência e da relevância, conforme disposto no caput do mesmo artigo 62, as iniciativas do presidente da República deveriam ser convertidas em projetos de lei, passando a tramitar segundo as regras aplicáveis a esse instrumento legislativo. É simples assim, mas falta o essencial para realizar a providência: vontade política. Afinal, enquanto o Executivo atropela o Legislativo, fica mais difícil à sociedade perceber que deputados e senadores não têm pauta de trabalho destinada a fazer avançar o país.

No rastro da omissão que deixa para trás reformas absolutamente necessárias ¿ como a política, a tributária e a previdenciária, para citar as mais evidentes ¿ reflete-se o descaso com a estrutura destinada a dar suporte à atividade legislativa. Ora, é inconcebível que os parlamentares não tivessem conhecimento da existência de 285 diretores nomeados (181 no Senado, 104 na Câmara). A filosofia do ¿deixa a vida me levar¿, famosa na voz de Zeca Pagodinho, é verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito, quando praticada por um dos Três Poderes que o alicerçam e custeada pelo contribuinte. Acrescente-se a esse contexto os sucessivos escândalos dali emanados. O funcionamento do regime de franquias democráticas depende da atuação moralizadora e equilibrada das instituições legislativas. Quando vulneradas por condutas aéticas umas, ilegais outras, tendem a estimular aventuras autoritárias.