Título: Coisa de país rico
Autor: Velloso, Carlos Mário
Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2009, Opinião, p. 21

A Câmara dos deputados deverá votar, brevemente, a proposta de emenda constitucional que passa para 75 anos a aposentadoria compulsória dos magistrados. Quando estava eu na ativa, procurei não me manifestar a respeito porque tinha interesse no assunto. É que, em pleno vigor físico e mental e magistrado por cerca de 40 anos, gostaria de continuar juiz. Aposentado e gostando do que estou fazendo ¿ a advocacia encarada como missão é, realmente, fascinante ¿ , posso falar sobre o tema.

Primeiro que tudo, penso que a aposentadoria aos 70 anos não deveria ser compulsória, mas facultativa. É necessário reconhecer que alguns magistrados chegam a essa idade combalidos. Assim, aos 70 precisam desfrutar do otium cum dignitate. Os que estão bem de saúde, entretanto, poderiam ¿ melhor será dizer deveriam ¿ continuar trabalhando. Eles, na verdade, constituem maioria. Verifiquem as últimas aposentadorias compulsórias de ministros do Supremo Tribunal: Paulo Brossard, hoje, com mais de 80 anos, advoga e escreve. Aldir Passarinho é advogado dos mais requisitados. Moreira Alves dá pareceres e faz conferências em todo o Brasil. Sydney Sanches montou prestigiosa banca de advocacia em São Paulo. Ilmar Galvão tem movimentado escritório de advocacia em Brasília. Octávio Gallotti escreve pareceres. Néri da Silveira faz palestras, leciona, escreve. Maurício Corrêa voltou à advocacia e à política. Poderá ser o governador de Brasília.

O que acontece é que a média de vida do brasileiro subiu, convindo lembrar que os magistrados, de modo geral, têm vida regrada, muitos deles esportistas, fazem caminhadas, exercitam o cérebro, escrevendo, lendo, proferindo votos. Por isso têm vida útil acima da média.

Alguns dirigentes de associações de magistrados são contrários à PEC que passa para 75 anos a aposentadoria compulsória. Estão eles no seu papel porque representam os juízes de primeiro grau, que aspiram chegar mais rápido aos patamares da carreira. O argumento que utilizam é, entretanto, falacioso, o que digo sem quebra do respeito que merecem e que lhes dedico, mesmo porque continuo integrando duas das mais importantes associações nacionais de juízes. Dizem eles que a renovação dos quadros dos tribunais propicia a renovação da jurisprudência. Ora, essa renovação ¿ renovação para melhor ¿ depende das ideias progressistas do magistrado. O importante é estar o juiz consciente de que deve ele fazer o ajuste da constituição formal à constituição substancial.

Os juízes da Suprema Corte americana, muitos deles com mais de 70 anos, realizam, com engenho e arte, esse ajuste. Em época de violência, por exemplo, são menos liberais. Sabem fazer uso da política ¿ política, evidentemente, como gostava de ressaltar o sábio Baleeiro, considerada em termos gregos ¿ freando e estimulando, cada um a seu tempo, o Executivo, o Legislativo e o próprio Judiciário. A questão, portanto, não está na troca de juízes, senão na formação cultural deles, sejam mais novos, sejam mais velhos.

Certo é que outro argumento, da maior relevância, deve ser trazido ao debate. A nossa previdência social está à beira da falência, com déficit enorme. Então, por que mandar para casa servidores públicos que querem e podem continuar trabalhando? Por que arcar o contribuinte com os proventos do aposentado e com os vencimentos do novo servidor?

É preciso pensar no Brasil. A aposentadoria compulsória aos 70 anos é um luxo. de uma feita, visitando a Suprema Corte americana e conversando com um dos seus juízes, indagava ele a respeito do Judiciário brasileiro. Eu lhe dizia que o nosso sistema judicial seguia o modelo norte-americano, o Judiciário como poder político. Falei-lhe das garantias de independência dos magistrados e dos Tribunais. No tocante à vitaliciedade, acrescentei que tínhamos vitaliciedade mitigada, por isso que os juízes, aos 70 anos, aposentavam-se compulsoriamente. E o ¿Justice¿, com um sorriso ladino, obtemperou: ¿Isso é destaque1'>Coisa de país rico¿.