Título: Trégua, mas nem tanto
Autor: Araújo, Vera Gonçalvez de; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 31/01/2009, O País, p. 3

Para Lula e Berlusconi, caso Battisti não abala relação Brasil-Itália; chanceler critica Tarso.

Depois de 16 dias de silêncio sobre o caso do ex-militante de esquerda Cesare Battisti, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, tentou encerrar a polêmica com uma nota oficial da presidência do Conselho de Ministros da Itália, divulgada na manhã de ontem. O comunicado à imprensa explica que a Itália está se preparando para enfrentar a batalha legal no Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará o recurso apresentado pelos advogados do país contra a concessão de status de refugiado político a Battisti.

Nas palavras de Berlusconi, a determinação: o uso das vias legais para obter a extradição de Battisti, mas o cuidado para não estragar as boas relações com o Brasil. O caso - diz ainda a nota - "não deve prejudicar as excelentes e amistosas relações entre os dois países". Mas, ressalta Berlusconi, essa posição não significa que "os italianos não vão renunciar a fazer o que for possível para obter a extradição no plano jurídico".

Outro trecho da nota diz: "É fato bem conhecido que nesses dias o governo tenta todos os passos possíveis e necessários para tal finalidade, como a apresentação de um recurso ao Supremo Tribunal Federal. Esperamos o resultado confiantes".

No Brasil, assim como o premier italiano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu que o caso seja resolvido na Justiça e não interfira na relação entre o país e Itália. Lula rejeitou o risco de abalo diplomático com a Itália. Ele defendeu a concessão, pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, do status de refugiado político. Ontem, durante entrevista no Fórum Social Mundial, em Belém, no Pará, Lula afirmou que agora a decisão cabe à Justiça, já que o governo italiano anunciou que recorrerá.

- A relação histórica entre dois países como Brasil e Itália não será arranhada por uma decisão brasileira que alguém da Itália não gostou ou uma decisão da Itália, que alguém do Brasil não gostou. Penso que o governo italiano vai entrar com recurso, o que lhe é de direito. Vamos aguardar a Justiça.

Declaração de Tarso acirra polêmica

Na Itália, a nota de Silvio Berlusconi parecia um ponto final na onda de indignação contra o Brasil, alimentada por ministros, parlamentares, parentes das vítimas. Mas a reação do chanceler italiano Franco Frattini às declarações feitas na véspera por Tarso Genro demonstrou que a crise ainda não foi superada.

Para acirrar a polêmica, bastaram as palavras do ministro, que afirmou que os chamados "anos de chumbo" do terrorismo italiano ainda não foram concluídos. Frattini respondeu:

- Não vou ficar nervoso e não comento expressões que pertencem à demagogia e à retórica de comício. Nós sabemos o que foram os anos de chumbo e vamos decidir como fechar aquela estação que ainda não conhece o arrependimento, mas que ao contrário vê a arrogância e o desafio de assassinos que contam com cúmplices condescendentes.

O governo italiano tenta frear as iniciativas individuais de seus ministros. Ontem, as autoridades locais revelaram à agência de notícias Ansa que Berlusconi não cancelou a viagem que fará ao Brasil, em 4 de março.

Ontem, a imprensa italiana deu amplo espaço às repercussões da entrevista de Cesare Battisti à revista "IstoÉ", o que gerou mais reações:

- Não se pode deixar um terrorista solto nas ruas do Rio. Não é um fato que vai encorajar as férias dos italianos no país - disse o ministro da Defesa, Ignazio La Russa.

Na entrevista, Battisti, condenado por quatro homicídios na Itália, afirmou que o serviço secreto da França o ajudou na fuga para o Brasil. No entanto, Fabien Reynaud, conselheiro do presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que os serviços secretos franceses não tiveram nenhuma responsabilidade na fugal. Ele frisou que "Sarkozy e a França não oferecem coberturas de Estado" aos ex-terroristas.

A carta do ex-terrorista divulgada ontem pelo advogado Fábio Altinoro também repercutiu. O destaque foi para o fato de Battisti dar os nomes daqueles que, segundo ele, seriam os verdadeiros responsáveis pelos assassinatos. Todos ex-militantes do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC), hoje presos e condenados.

O deputado Ettore Pirovano, do partido conservador Liga Norte, ironizou a Justiça brasileira:

- Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas. Portanto, antes de pretender nos dar lições de Direito, o ministro (Tarso) faria bem se pensasse nisso não uma, mas mil vezes.

O embaixador italiano no Brasil, Michele Valensise, continua as conversas com as autoridades do país para elaborar a estratégia legal e diplomática da Itália na defesa da extradição.

* Especial para O Globo; **Enviada especial

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