Título: Os ministros viajantes
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 01/02/2009, O País, p. 3

Mangabeira passou 97 dias fora do país em 2008 e embolsou, em diárias, o triplo do seu salário.

Só em 2008, o ministro dos Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, passou exatos 97 dias viajando pelo exterior - mais de um quarto do ano. Dados da Controladoria Geral da União mostram que ele superou 35 colegas de Esplanada e foi quem recebeu, ano passado, as maiores verbas para gastar fora do Brasil. Mangabeira embolsou R$35.176,30 em diárias, mais de três vezes o seu salário de ministro. No total, o governo gastou R$457 mil para bancar despesas pessoais de ministros em viagens internacionais. Além das diárias, eles ainda tiveram direito a passagens de primeira classe, garantidas por decreto, e o apoio das embaixadas dos países visitados.

O segundo lugar do ranking das viagens é ocupado por outro secretário com status de ministro: o titular dos Portos, Pedro Brito, que recebeu R$28,6 mil em diárias durante o ano passado. Depois dele, aparecem Miguel Jorge (Desenvolvimento e Comércio Exterior), com R$25,7 mil; Nelson Jobim (Defesa), R$com 25 mil; e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), com R$23 mil.

Na primeira viagem, encontro acadêmico

Professor licenciado da Universidade de Harvard, o filósofo Mangabeira tem aproveitado o cargo para manter os laços com a academia no exterior. Em 2008, seu primeiro compromisso oficial fora do país foi um seminário com intelectuais na Sorbonne, em Paris. De acordo com o site da secretaria de Assuntos Estratégicos, os debates giraram em torno dos "novos contornos de um movimento internacional de centro-esquerda". A programação também incluiu um encontro reservado com o secretário de Estado para a Cooperação e Francofonia, Jean-Marie Bockel.

Mangabeira foi nomeado com a missão de traçar políticas de longo prazo para o país. Em novembro, ele visitou Israel a convite do ministro da Defesa, Ehud Barak, principal responsável pelos recentes ataques à Faixa de Gaza. Desta vez, o objetivo era trocar experiências sobre operações militares e expedições espaciais. No total, o passaporte do ministro foi carimbado em 14 países diferentes no ano passado. Com seus 97 dias no exterior, ele superou até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que passou 78 dias fora do país.

Apesar de Lula exaltar as parcerias com África e Ásia como estratégicas, o roteiro de Mangabeira não incluiu qualquer parada nesses continentes. Por meio de sua assessoria, ele atribuiu o posto de campeão das diárias de viagem ao fato de coordenar o Comitê Ministerial de Formulação da Estratégia Nacional de Defesa e o Plano Amazônia Sustentável.

Jobim: quatro visitas só à Argentina

Segundo colocado em diárias, o ministro dos Portos, Pedro Brito, não se limitou a encontrar chefes de estado e outras autoridades estrangeiras. Em outubro, ele usou a verba extra para ir a Londres encontrar dirigentes do banco JP Morgan. Segundo a assessoria do ministro, as reuniões foram marcadas devido ao interesse dos investidores de injetar libras na instalação de terminais de granéis sólidos no Rio e no Espírito Santo. As outras viagens incluíram seminários técnicos sobre logística e dragagem.

Acostumado a acompanhar empresários brasileiros em busca de oportunidades de negócios, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, recebeu a maior parte das diárias participando de comitivas presidenciais. Miguel Jorge, cuja pasta tem justamente a missão de fechar novos negócios do Brasil no exterior, foi quem mais passou tempo fora do país: foram, ao todo, 105 dias rodando por 18 países.

Em 2008, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, concentrou suas viagens na América Latina, onde planeja criar um conselho regional de defesa. Jobim foi quatro vezes só para a Argentina. Ele também esteve na França, na Rússia e nos Estados Unidos, todos países interessados em vender caças para a FAB.

Embora o ministro Paulo Vannuchi tenha recebido a quinta maior quantidade de diárias, a Secretaria de Direitos Humanos informou que nem todos os gastos foram feitos no exterior. Segundo o órgão, ele usa uma brecha legal para receber diárias também em viagens domésticas, o que não é permitido aos demais ministros. A justificativa oficial é que Vannuchi, embora tenha status de ministro, ocupa um "cargo de natureza especial" e, portanto, teria direito ao benefício.

O Itamaraty informou que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, optou por não receber diárias, embora passe boa parte de seu tempo em missões diplomáticas. Ele também não pediu restituições por despesas pessoais. Nas viagens, Amorim se hospeda em embaixadas ou hotéis pagos pelo ministério.

Agora, ministros evitam os cartões

Um ano após o escândalo dos cartões corporativos, que derrubou a ex-ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), os ocupantes do primeiro escalão do governo têm evitado usar o instrumento que deixava rastros de suas despesas pelo país. A maioria optou por usar cartões de ecônomos ou pagar as despesas do próprio bolso, antes de pedir a devolução do dinheiro. O problema, neste caso, é que o contribuinte deixa de saber como o ministro gastou a verba. Um exemplo: Pedro Brito recebeu de volta, em 2008, R$11,9 mil por gastos em hospedagem e alimentação em 2008. Mas o Portal da Transparência não informa o nome dos estabelecimentos e o valor das contas.

Desde a CPI do Cartão, o governo promete editar um decreto para instituir o pagamento de diárias a ministros em viagem dentro do país. Segundo o chefe da CGU, Jorge Hage, o valor deve ficar em torno de R$614, pago a ministros do Supremo Tribunal Federal. O ranking do ressarcimento de verbas a ministros em 2008 é encabeçado por outro envolvido no escândalo, Orlando Silva (Esporte), que usou o cartão até para comprar tapioca. Ele aparece em primeiro porque recebeu R$26,3 mil. Era justamente o valor que ele tinha devolvido à União preventivamente, quando os gastos com seu cartão estavam sob investigação. Como não foram detectadas irregularidades, ele pôde pegar a maior parte do dinheiro de volta. Segundo a CGU, as despesas indevidas dele foram de R$8,4 mil.

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