Título: Analógicas e digitais
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 01/02/2009, Opinião, p. 7

O sociólogo Domenico de Masi divide pessoas e sociedades, segundo sua capacidade de ter acesso às informações e processá-las adequadamente, em analógicos e digitais. Os analógicos vivem no passado e reagem de forma lenta às novas tecnologias e processos. Estão excluídos das modernas formas do pensar e do fazer. Não têm chance de ter protagonismo num mundo no qual as "sociedades do conhecimento" impõem sua dinâmica.

Essa dinâmica é digital. Os modernos processos de produção demandam grandes quantidades de informação que têm de ser processadas de modo célere. A inclusão nas redes digitais de informação é, pois, condição sine qua non para o sucesso de países, empresas e indivíduos neste novo mundo complexo, globalizado e assimétrico. O futuro é digital.

Mas não apenas o futuro. A crise mundial tem, nesse sentido, origem e natureza digitais. Não fossem as mundializadas redes de informação, a desregulamentação das finanças não teria adquirido as dimensões catastróficas que provocaram a crise. A construção da gigantesca pirâmide financeira invertida, equivalente a 8 PIBs mundiais, de cuja implosão resultou a crise, não poderia ter acontecido sem a celeridade e ubiquidade das informações digitais. Além disso, a crise tem a rapidez da dinâmica digital. Ela leva de roldão empresas, empregos e velhas convicções.

Entretanto, a reação à crise é, com frequência, analógica. Estupor, incredulidade e o apego a paradigmas que não conseguem mais explicar a realidade econômica retardam a implantação das políticas que poderiam amenizar a recessão. Os que reagirem rapidamente e tomarem as decisões audazes que o enfrentamento da crise requer conseguirão atravessar a recessão mundial sem maiores traumas. Os que reagirem de "modo analógico" arcarão com todo o peso destrutivo da crise.

O mesmo raciocínio vale para configuração do cenário mundial pós-crise. Stephen Jay Gould afirmava que a evolução se dá por saltos. Nas épocas de maior pressão evolutiva, há extinções em massa e o surgimento de espécies mais adaptáveis. Ora, a crise exerce grande pressão evolutiva sobre países. Num processo darwiniano de seleção, a crise deverá prejudicar muitos, mas poderá beneficiar alguns. Esses últimos poderão se colocar, na nova ordem mundial, em posição vantajosa.

O Brasil tem vantagens comparativas para aceder ao cenário internacional pós-crise em boas condições. Nossa economia está menos vulnerável ao ambiente externo e possui renovado dinamismo baseado no mercado interno. As exportações foram ampliadas e diversificadas, de modo que já não dependemos tanto dos países que estão no centro da crise. Temos grande potencial de geração de energias renováveis, as energias do futuro, além de dispormos de água doce em abundância, recurso estratégico escasso. Somos um grande produtor de alimentos num planeta ameaçado pela fome.

Porém, temos uma grande fragilidade. Nosso sistema educacional é precário, pré-analógico. A maior parte da crianças brasileiras não tem acesso às tecnologias que abrirão as portas do futuro. Convivemos com um apartheid digital que perpetua o apartheid social que nos amarra ao atraso. No ensino fundamental, apenas 17,2% dos alunos das escolas públicas usam a internet, ao passo que, nas escolas particulares, esse número sobe para 74,3%. Por isso, apresentei projeto de lei para levar internet de banda larga a todas as escolas públicas. Trata-se de colocar 170 mil escolas e 44 milhões de alunos no século XXI, com currículos modernos e professores treinados.

Tal projeto torna-se, nessa conjuntura, emergencial. Ele contribuiria para que o Brasil desse rápido salto de qualidade em sua educação, o que ampliaria consideravelmente as nossas oportunidades na ordem mundial pós-crise. Já aprovado no Senado, tal projeto aguarda a manifestação de Comissão Mista da Câmara. Esperamos que essa manifestação não se processe em "ritmo analógico", ou perderemos a chance histórica de sermos, finalmente, um país do futuro digital.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).

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