Título: Uma disputa que deixará marcas
Autor: Jungblut, Cristiane; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 02/02/2009, O País, p. 3

ELEIÇÃO NO LEGISLATIVO

Base de Lula vota dividida na Câmara e no Senado; presidente terá que administrar resultado.

Qualquer que seja o resultado das eleições para as presidências da Câmara e do Senado, hoje, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se preparava desde ontem para administrar as sequelas da guerra entre os partidos da base aliada, sobretudo no Senado, onde PMDB e PT travaram uma batalha em busca de votos para os candidatos José Sarney (PMDB-AP) e Tião Viana (PT-AC). As eleições devem dar ao PMDB o controle das duas Casas, algo que não ocorre desde 1992. A situação de Michel Temer (PMDB-SP) na Câmara é mais tranquila do que a de Sarney. Temer tem, com folga, mais de 300 votos. As últimas contagens indicavam que a vitória de Sarney, se confirmada, será por pequena margem de votos acima dos 41 necessários.

À noite, o quadro ficou mais favorável a Temer com a decisão do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) de desistir da candidatura. Serraglio disse que desistiu em prol da unidade do PMDB e negou que vá ganhar cargos como compensação:

- É a minha contribuição para apaziguar o PMDB - disse.

- O Serraglio optou pela unidade do PMDB - comemorou Temer.

Sarney perde força mesmo se vencer

Na Câmara, as barganhas garantiram a Temer a promessa de apoio da maioria dos 420 deputados dos 14 partidos que registraram sua candidatura. Durante a semana cresceram as ameaças de traição, e a campanha contabilizava menos de 300 votos.

No Senado, apesar do crescimento da candidatura de Tião Viana, Sarney deve sair vitorioso, mas com o prestígio abalado por ver frustrado seu plano de ser "ungido" pelos colegas. Aliados de Sarney reconheceram que, desde a adesão do PSDB a Tião Viana, a situação se complicou. A disputa acirrada preocupa o governo.

- Evidentemente ficam (sequelas). Vitoriosos e derrotados têm comportamento diferente, e precaução é a palavra de ordem. Isso é um episódio da Casa e quem decide é a Casa. Temos que ter zelo para manter a base (unida). A disputa é no nosso campo, e essa disputa deixa marcas - disse o ministro José Múcio: - Na Câmara, a coisa é mais ampla e fácil de ser diluída e digerida. No caso do Senado, é mais apertada e mais delicada.

Sobre a disputa entre Sarney e Tião Viana e a preferência do Planalto, Múcio afirmou:

- Não é de quem gosta mais. Você tem candidaturas postas há mais tempo, que englobam número maior de partidos - respondeu, numa referência implícita a Temer e Tião Viana.

Apostando na vitória tranquila de Temer, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), admitiu as dificuldades pós-eleição.

- O PMDB só terá respeito em 2010 se continuar unido. A partir de amanhã, é virar a página. O Temer vai derrotar a traição. Temos que abolir esse termo da vida parlamentar - disse.

Sarney, o único candidato que não foi ao Congresso ontem, se irritou com a atuação de integrantes do Planalto em favor de Tião Viana. Ficou em casa, acompanhando o trabalho do grupo de campanha comandado por Renan Calheiros (PMDB-AL), que conta 57 votos para Sarney hoje.

- O PMDB está unido, e os aliados garantem seus compromissos - limitou-se a dizer Renan.

- Sarney vai ganhar a eleição e vai ouvir a Casa. A ideia é não manter a guerra - disse Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado.

Tião Viana foi à missa com a família e passou a tarde com aliados, contabilizando ao fim do dia 43 votos dos 81 senadores. Nos bastidores, os votos garantidos pelo petista, sem risco de traições, seriam 37.

- Queremos 49 votos, mas não é possível dizer isso. Os erros do outro candidato foram muitos, começaram pela arrogância, pelo menosprezo pela minha candidatura. É aguardar se a decisão será por um novo Senado - disse Tião Viana, apostando na neutralidade de Lula. - Tenho certeza de que, se o presidente Lula fosse senador, votaria em mim. Estarei em paz com o Planalto. Não vejo possbilidade de ressacas demoradas.

Na sessão de hoje, a estratégia dos aliados de Tião Viana será fazer discursos para constranger senadores que defendiam a cassação de Renan Calheiros e hoje estão na campanha de Sarney, coordenada pelo senador alagoano, que poderá assumir a liderança do partido na Casa.

PSDB ameaça punir quem trair Tião

Para tentar evitar traições em favor de Sarney, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), saiu do encontro com Tião Viana ameaçando punir quem não votar no petista. Pretendia fechar o apoio da bancada em jantar ontem à noite.

- Estamos animados e realistas, porque o outro lado fantasia que tem 50 e poucos votos - disse Virgílio.

Temer participou de almoço na residência do líder do PR, Luciano de Castro (RR), com mais de 80 deputados. À noite, haveria novo jantar, desta vez promovido pelo PMDB.

Para evitar a contaminação da eleição da Câmara pela do Senado, os líderes resolveram antecipar o horário de início da votação dos deputados, marcado para o meio-dia. Agora, o processo de votação deve começar por volta de 11h30m. A mudança provocou protestos de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ex-presidente da Casa, que para quem isso é uma manobra para reduzir o quórum:

- Não é apenas querer ganhar no tapetão. É uma demonstração de medo, insegurança. Como se diz no Nordeste, é correr com medo do rastro da onça - reclamou Aldo Rebelo.

- Existe um medo muito grande de ir ao segundo turno. Se tivesse tudo isso (de votos), não estavam fazendo manobra, reduzindo quórum e mudando o horário da eleição - acrescentou Ciro Nogueira.