Título: Integração necessária
Autor: Machado, José
Fonte: O Globo, 27/01/2009, Opinião, p. 7

O uso das águas interiores para navegação comercial, em que pese sua elevada potencialidade, sempre esteve em segundo plano no Brasil, tendo prevalecido um forte viés "rodoviarista". No entanto, se nossa matriz de transporte for mais bem equacionada, sob o ponto de vista da integração multimodal (rodovia-ferrovia-hidrovia), teremos inequivocamente benefícios ao desenvolvimento econômico-social e ao meio ambiente.

O melhor exemplo para ilustrar essa situação é o escoamento da produção agrícola de Mato Grosso. Segundo o Ministério da Agricultura (Mapa), em 2007, o MT destinou à exportação cerca de 7 milhões de toneladas de soja. Desse total, cerca de 55% foram embarcados pelos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e São Francisco do Sul (SC). Esse percentual eleva-se para 65% quando se inclui o porto de Vitória (ES). Parte importante, portanto, foi transportada dos locais de produção até os portos por carretas, percorrendo, no sentido norte-sul, distâncias de até 2.000km e, uma vez embarcada, fez o caminho inverso, pelo mar, rumo ao mercado externo.

Considerando-se que uma carreta transporta em média 20 toneladas, teremos cerca de 220 mil viagens de carreta por ano para transportar essa carga. Que impacto podemos imaginar se prevalecerem as estimativas de que em 2018/19 esse mesmo estado estará produzindo 25 milhões de toneladas? Quanto custa essa logística aos cofres públicos em termos de equalização de frete e manutenção de estradas?

A melhor solução para reverter essa lógica perversa está no escoamento de parte da produção daquela região por rios afluentes da margem direita do Rio Amazonas, valendo-se da oportunidade ensejada pelos aproveitamentos hidrelétricos projetados ou em construção, já que os barramentos favorecem a navegação. No aspecto ambiental, a hidrovia significa vantagens inequívocas em comparação a outros modais, pois não implica desmatamento e polui menos.

A ANA, em 2008, assinou com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários um acordo para identificar os melhores instrumentos que permitam o avanço dessa vertente estratégica do setor de transporte. Como resultado, foi desencadeado o debate sobre o tema no governo federal e já há consenso de que é possível vislumbrar um resultado favorável fazendo avançar o peso do transporte hidroviário em nossa matriz de transportes, sobretudo quando se trata de direcionar o olhar para as potencialidades que os rios afluentes da margem direita do Rio Amazonas apresentam para a geração de energia e o transporte hidroviário.

JOSÉ MACHADO é presidente da Agência Nacional de Águas (ANA).

oglobo.com.br/opiniao