Título: Pressões internas
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 03/02/2009, O País, p. 4

PARIS. O assunto vinha quicando na área desde o ano passado, quando já se discutia no Fórum Econômico Mundial a possibilidade de o mundo entrar em uma onda protecionista caso a crise econômica internacional se agravasse com o que ainda era uma apenas uma possibilidade: o "pouso forçado" da economia dos Estados Unidos. De fato, a economia mundial vinha registrando, desde 2003, um crescimento do PIB global acima de 4% sucessivamente, e o ano de 2008 começava com nuvens que prenunciavam o fim do mais forte ciclo de expansão da economia mundial desde o pós-guerra, mas ninguém queria enfrentar o problema.

Portanto, o surgimento de uma pressão protecionista em diversos pontos do mundo não deveria ser surpresa para ninguém, e os "senhores do Universo" reunidos em Davos deveriam estar preparados para discutir essa e outras questões que levam o debate para frente, e não se deixar levar pelo susto e ficar discutindo o passado.

Se os debates deste ano do Fórum de Davos tivessem sido travados ano passado, talvez as soluções para crise internacional já estivessem sendo encaminhadas.

A surpresa que causou a aprovação pelo Congresso da cláusula "buy american" (produtos americanos) no programa de recuperação econômica do governo Barack Obama não se justifica.

Enquanto o idealismo dos discursos aponta sempre para a necessidade de uma cooperação mútua em uma economia interligada, o pragmatismo político puxa para medidas mais protecionistas dos mercados internos, atingidos pelo desemprego.

O modelo de "consumo descontrolado e pouca poupança" criticado por várias autoridades em Davos, foi o mesmo que levou a um crescimento sem precedentes da economia mundial seis anos até setembro de 2008, e os Estados Unidos continuam sendo o principal vetor da ordem econômica mundial.

Em lugar da ideal interconexão internacional para superar a crise, um nacionalismo econômico pode prevalecer, o que poderia resultar nos mesmos resultados dos anos 1930, que levaram à Grande Depressão.

Assim como agora, naquela ocasião também foi o Congresso americano que deu início a um movimento mundial de protecionismo ao aprovar a chamada lei Smoot-Hawley, que leva os nomes do deputado Willis Hawley e do senador Reed Smoot, ambos republicanos, que, com o objetivo de proteger o emprego local, impediram importações aumentando a tarifa de cerca de 10 mil produtos.

Os principais vetores da integração econômica globalizada, o comércio e os fluxos de capitais, estão em decadência, o que pode suscitar, além do protecionismo, um nacionalismo econômico e político com consequências desastrosas.

Os republicanos capturam votos entre os sindicatos patronais dos setores menos dinâmicos da economia americana - em geral, pouco abertos à competição internacional, e, portanto, protecionistas. É o caso aço e de ferro, que estão sendo protegidos pelo Congresso americano.

A Associação da Indústria do Ferro e do Aço (AISI em inglês), que congrega 25 companhias e 138 fornecedores como membros afiliados, representando cerca de 70% da capacidade de produção dos Estados Unidos e Canadá, está divulgando uma pesquisa em que 86% dos americanos se dizem a favor da cláusula "buy american" do plano de recuperação econômica.

Eles ressaltam que, a cada US$1 bilhão em investimentos, criam-se 35 mil novas vagas de trabalho. Assim, se por um lado há pressão por políticas protecionistas do trabalho local, provenientes de sindicatos de trabalhadores do lado democrata, há a mesma pressão por políticas protecionistas da produção nacional provenientes de sindicatos patronais do lado republicano.

O aumento do desemprego, a primeira consequência da desaceleração da economia, está gerando uma tendência protecionista, contrária à globalização, reforçando a posição dos que entendem que os Estados Unidos estão exportando empregos com a terceirização de serviços para países como a Índia, por exemplo, que domina o mercado internacional de call centers.

O grande risco para os Estados Unidos, porém, chama-se China e o que o novo Secretário de Tesouro, Tim Geithner, classificou de "manipulação" do yuan, que estaria desvalorizado artificialmente, o que provocou irritação no primeiro-ministro chinês Wen Jiabao.

Se a pressão interna fizer com que o Congresso mantenha a cláusula "buy american", vai ser difícil retomar as negociações para a Rodada de Doha de livre comércio internacional.

As reações de diversas autoridades, desde a União Européia aos países emergentes, têm sido vigorosas, mas não a ponto de cortarem as pontes que podem levar a um diálogo mais adiante.

O ambiente para a retomada da Rodada de Doha, que o presidente Barack Obama se comprometeu a buscar em telefonema ao colega Lula, pode ser reencontrado desde que os Estados Unidos coloquem na mesa de negociação outros temas.

Mesmo porque a recuperação econômica americana interessa ao mundo como um todo, e o protecionismo do momento pode dar lugar a um volume maior de comércio assim que a maior economia do mundo volte a funcionar.

Ninguém está a fim de dar um passo maior do que as pernas neste momento, para poder recuar mais adiante, mesmo porque ninguém sabe ainda o tamanho da encrenca em que o mundo está metido.

Não bastasse o fato de ter fugido de Cuba, a entrevista do boxeador cubano campeão mundial Erislandy Lara, hoje morando em Miami como refugiado, afirmando que gostaria de ter recebido o status de refugiado no Brasil em 2007 - mas sem ter essa oportunidade dada pelas autoridades brasileiras -, desmente a versão do Ministro da Justiça, Tarso Genro, de que ele e seu companheiro Guillermo Rigondeaux queriam retornar a Cuba.