Título: Voto que chega de jatinho
Autor: Lima, Maria; Fernandes, Diana
Fonte: O Globo, 03/02/2009, O País, p. 5

Atrasado, senador José Nery pega carona com empresário.

BRASÍLIA. O jogo de pressão e as suspeitas de traição deram o tom na sessão em que foi eleito, com diferença de 17 votos, o senador José Sarney (PMDB-AP) para a presidência do Senado. Na esperança de conseguir reverter o quadro favorável ao adversário, o candidato do PT, Tião Viana (AC), desesperou-se ao saber que um de seus eleitores, José Nery (PSOL-PA), perdera o voo para Brasília. Eduardo Suplicy (PT-SP) fez um apelo à Mesa para que retardasse a votação até que a torre do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek autorizasse o pouso para o jatinho que trazia seu colega do PSOL de Belém. Nery não revelou a identidade do empresário, cujo nome vazou no Congresso: o avião era do empresário Simão Jatene, ex-governador do Pará pelo PSDB.

- Foi providenciado para o senador do PSOL um avião especial para que ele aqui chegasse a tempo, mas alguma coisa acontece na torre, porque estão deixando o avião ficar sobrevoando. Por essa razão, vou pedir que a Mesa tenha especial elasticidade para permitir ao senador José Nery que chegue ao plenário a tempo de votar - apelou Suplicy.

- Vários senadores estão um pouco ansiosos por saber se realmente o avião que trouxe o senador José Nery foi contratado pelo Senado ou pelo partido do qual Sua Excelência faz parte - provocou o senador Gilvam Borges (PMDB-AP), aliado de Sarney.

Sem resposta, Suplicy sugeriu que alguns senadores fizessem uma vaquinha para ajudar o senador a pagar pela viagem. Ao chegar, Nery disse que pegou uma carona, mas não revelou o nome de Jatene.

- Não houve pagamento - desconversou.

Na Câmara, o clima de vale-tudo para garantir um cargo na Mesa Diretora levou candidatos a apelarem para o corporativismo. Surgiram propostas de mordomias e vantagens para os colegas. Alguns reagiram com indignação a torpedos recebidos desde o fim de semana.

Os deputados João Almeida (PSDB-BA), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) se irritaram com mensagens enviadas pelo deputado Manato (PDT-ES), candidato avulso ao cargo de 3º secretário da Mesa - que não se elegeu -, prometendo lutar por mais benefícios para os colegas. Numa das mensagens, dizia que "as justificativas de faltas seriam valorizadas". Também prometeu, segundo Almeida, brigar por desconto em passagens aéreas junto às empresas.

- Podiam nos privar dessa vergonha, desse mercado persa. A cada eleição aqui há aumento de gastos, de cargos e de comissões para acomodar os amigos - protestou Almeida.

Já o deputado Nélson Marquezelli (PTB-SP), eleito 4º secretário, prometeu, segundo Chico Alencar, construir o anexo V para garantir gabinetes com banheiro a todos os colegas.

Nas 48 horas que anteriores à votação, ministros e assessores palacianos se penduraram no telefone em busca de votos para Michel Temer (PMDB-SP). O titular das Minas e Energia, Edison Lobão, teve trabalho para convencer a esposa, Nice Lobão (PMDB-MA), a votar em Temer, e não em Ciro Nogueira (PP-PI). Ela foi ao plenário, mas passou mal e saiu em cadeira de rodas. O deputado Carlos Wilson (PT-PE), em tratamento contra câncer, também passou mal e foi levado ao serviço de emergência.