Título: Crescer ou não crescer
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 03/02/2009, Opinião, p. 7

Era uma palavra diferente, e uma ideia interessante. As economias emergentes iam "desacoplar" dos países avançados e evitar a desaceleração econômica, talvez até brindar o mundo com um crescimento compensatório. Falava-se que a China tinha motor próprio, e o Brasil, uma "riqueza" no seu grande mercado interno: prescindiriam do resto do mundo. Teria sido inédito. Não foi. O conceito de "desacoplamento" esvaiu-se na mesma velocidade em que a crise espalhou-se. Agora, a questão é saber quanto da desaceleração global irá afetar o Brasil. Qual é o crescimento possível para o Brasil este ano?

Sem desmerecer os importantes esforços locais, o quanto o Brasil vai crescer vai depender em larga medida do crescimento mundial. A economia global precisa de um ajuste relevante, o que pode limitar a capacidade de crescimento no futuro. O estouro da bolha financeira tem implicações importantes. Hoje, está claro que havia uma riqueza falsa, inflada pela valorização enganosa do mercado imobiliário, das bolsas no mundo e dos ativos em geral. O problema é que o consumo era baseado nessa riqueza falsa. Muito do que era produzido no mundo direcionava-se a satisfazer esse "falso" consumo (porque era baseado nessa riqueza falsa). E houve excesso de investimentos para ampliar a capacidade de produção, para satisfazer o consumo exagerado baseado nessa riqueza falsa. E, provavelmente, houve também exagero no planejamento e investimentos baseados numa demanda mundial de matérias-primas que se revelou exagerada.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o crescimento mundial seja de apenas 0,5%, em 2009 (de 4,8%, em 2006-2007, e 3,3%, em 2008), uma queda substancial. Os números recentes de atividade em dezembro continuavam apontando para uma piora na atividade global.

A economia brasileira tem seguido o passo do resto do mundo, às vezes com alguma defasagem temporal (média de três a seis meses). Estimativas da Ciano Consultoria são de uma queda do PIB entre 1,5 e 2% , no último trimestre do ano passado, o que indica um crescimento de 5,5%, para o ano de 2008. Essa queda do PIB no final do ano passado gera um legado ingrato para este ano. Caso o nível de produção se mantenha no mesmo patamar do final do ano passado, o crescimento este ano sobre a média do ano passado (famoso carry over, em economês) será nulo. Não faz muito tempo, estimava-se este carry em quase 2%. Com base nessa diferença, quem estimava um crescimento médio de 3%, para 2009, faz pouco tempo, deveria ajustar sua projeção para 1%, a menos que esteja hoje enxergando novas forças propulsoras de crescimento, tanto globais, como locais.

Com o legado reduzido (zero carry), o crescimento este ano vai depender da capacidade de recuperação da economia brasileira, principalmente no segundo semestre. Um exercício da Ciano utiliza as recuperações anteriores da economia brasileira - após as crises de 1998/99 e 2002 -- para calcular a possível taxa de crescimento em 2009 (ou seja, embutem-se as recuperações anteriores sobre o atual nível de produção). O resultado não é alentador. Mesmo embutindo recuperações rápidas da atividade no segundo semestre, baseadas em períodos saudáveis da economia mundial, o crescimento do PIB este ano ficaria entre 0,5% e 2%. Como a situação mundial é hoje pior do que nas recuperações passadas, será difícil atingir o limite superior dessa faixa de crescimento.

Em suma, as economias emergentes não "desacoplaram" das economias avançadas. A ameaça é a revolta contra esta nova fase, com a volta do protecionismo no mundo, ao estilo da lambança recente promovida pelos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com a tentativa de emplacar licenças prévias para as importações brasileiras. Infelizmente, o mundo precisa de um ajuste global à nova estimativa de riqueza. Nossos cálculos recentes indicam que a economia brasileira deve desacelerar consideravelmente (em torno de 1%), a menos que ocorra uma súbita, mas improvável, recuperação da economia mundial.

ILAN GOLDFAJN é diretor do Iepe/Casa das Garças e professor da PUC. goldfajn@econ.puc-rio.br