Título: Plano da Europa contra crise
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 23/02/2009, Economia, p. 13

Europeus do G-20 querem controlar mercados, combater paraísos fiscais e US$500 bi para FMI.

Em mais uma tentativa de salvar o capitalismo de uma das maiores crises de sua história, os chefes de governo e de Estado e ministros da Fazenda dos países europeus do G-20 (grupo que reúne as nações mais ricas do mundo e os principais emergentes) concordaram ontem em criar mecanismos para controlar o sistema financeiro internacional. O plano - costurado em reunião na capital alemã - também inclui o combate aos paraísos fiscais e ao protecionismo, além do fortalecimento do Fundo Monetário Internacional (FMI), que deverá ter seus recursos duplicados para US$500 bilhões, e do Banco do Leste Europeu. A ideia é que as duas instituições ampliem sua capacidade de ajuda aos países mais afetados pela crise.

Os princípios acordados ontem farão parte de uma proposta comum que os líderes das maiores economias da Europa deverão apresentar na próxima cúpula do G-20, grupo do qual participam Brasil, China e Índia, que será realizada em abril, em Londres.

As exigências europeias são de transparência não apenas na Europa ou nos países do G-20, mas no mundo inteiro. Todos os fundos de investimentos e organismos financeiros deverão ser submetidos ao controle internacional. E produtos financeiros, como os derivativos, deverão ser submetidos a uma aprovação, como hoje acontece com os medicamentos. O controle poderia ser exercido pelo FMI ou pelo Fórum para a Estabilidade Política (FSF). O FSF, do qual participam apenas os países industrializados, deverá ser ampliado, com o ingresso dos países emergentes.

A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que as decisões são concretas e que no futuro poderão ser criadas sanções contra os países que não cooperarem:

- Nós precisamos desenvolver um mecanismo de sanções contra os países que não forem cooperativos, seja nos paraísos fiscais ou em países onde sejam realizados negócios não-transparentes.

Proposta inclui uma "carta mundial"

Na cúpula de Londres deverá ser apresentada a lista dos países chamados de paraísos fiscais. No encontro de ontem, porém, não ficou claro como os países da Europa ou do G-20 poderão controlar o fluxo de capital para tais nações. Mesmo assim, as decisões foram além do pacote de 47 itens anunciado após a última reunião do G-20, em Washington, em novembro passado.

- Em Washington não podíamos ainda nem usar o nome paraísos fiscais - lembrou o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ao exigir um levantamento imediato de todos os paraísos fiscais do mundo.

Até agora, as resistências contra um controle do sistema financeiro partiam sobretudo dos EUA e da Inglaterra, países que sediavam a maior quantidade dos grandes fundos e bancos de investimento. Mas a crise causou uma mudança de posição do governo britânico.

- É a chance de um recomeço - afirmou o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, ressaltando que os países do Leste da Europa estão entre os que mais precisam de ajuda.

Os líderes europeus também ressaltaram que o protecionismo não pode ser uma opção, mesmo na atual crise. Eles exigiram uma retomada das negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). De acordo com o ministro das Finanças da Alemanha, Peer Steinbrueck, o protecionismo seria a pior reação possível dos países afetados pela crise e, por isso, algumas iniciativas, como a "Compre América" - cláusula protecionista do pacote de estímulo econômico dos EUA - teriam sido suspensas.

- A história mostrou que o protecionismo só pode agravar a crise. Em 1930, os países reagiram com protecionismo, os EUA introduziram altas taxas de importação e o resultado foi o agravamento da situação - afirmou Steinbrueck.

De acordo com uma proposta apresentada pelo governo alemão e aprovada pelos outros participantes, a ordem econômica mundial terá a mesma importância no futuro que tem os direitos humanos hoje. A ideia é a criação de uma "carta da economia mundial" a exemplo da "Carta dos Direitos Humanos". Outra exigência dos representantes europeus foi a de redução dos bônus pagos aos banqueiros. Além disso, os bancos deveriam comprometer-se a aumentar o capital próprio nas "épocas boas".

Analistas reagiram com ceticismo às medidas anunciadas. Segundo o economista Wolfgang Gerke, seria bastante difícil um controle completo das instituições financeiras internacionais. Em 2004, os países do G-20 fecharam um plano, em reunião em Berlim, de mais transparência para o setor financeiro internacional. O resultado, porém, foi o contrário: o labirinto de produtos financeiros passou a ser incompreensível até para os políticos. Depois disso, a "bolha" financeira, que, ao romper no ano passado, desencadeou a crise, cresceu vertiginosamente.

Na Alemanha, perda de 700 mil vagas

Gordon Brown ressaltou que a proposta de fortalecimento do FMI inclui um fundo de US$500 bilhões, que permita ao organismo internacional agir não quando a crise acontece, mas de forma preventiva. Mas Steinbrueck disse que a ajuda aos países do Leste da Europa - apontados entre os mais vulneráveis - foi tratada de "forma delicada": o receio é de que eles confiem na ajuda e não realizem esforços suficientes para superar a crise por conta própria.

Apesar das especulações, que têm pressionado o valor do euro, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, disse que não há perigo de a moeda ser abolida.

- A situação seria muito pior se tivéssemos 27 moedas diferentes. O euro é um fator importante de estabilidade - observou.

Os líderes europeus, bem como o presidente do Eurogrupo, Jean Claude Juncker; o presidente da comissão europeia, Manuel Barroso, e o presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, enfatizaram que a convicção de que tudo deve ser feito para que a próxima cúpula do G-20 - a primeira com a participação do novo presidente americano, Barack Obama - seja bem-sucedida.

- Nós queremos que Londres seja um sucesso. É a última chance - concluiu Sarkozy.

Também ontem, o instituto econômico alemão IFO revisou para cima suas projeções de desemprego no país para 2009. A nova previsão é de perda de mais 700 mil empregos, ante estimativa anterior de 500 mil vagas, informou o jornal alemão "Bild".

(*) Com agências internacionais

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