Título: Lula: corte na Embraer é pior capítulo da crise
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 21/02/2009, Economia, p. 19

BNDES se reunirá nos próximos dias com a diretoria da companhia para discutir situação.

BRASÍLIA, RECIFE, RIO, SÃO PAULO e LONDRES. Em uma avaliação reservada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou ontem que a demissão em massa na Embraer escreve o pior capítulo dos efeitos da crise financeira internacional no Brasil. Isso porque, para ele, o episódio cristalizou, de um lado, que a turbulência não é "marolinha" e já contaminou a economia real; de outro, aponta o desemprego como principal ônus da crise no mercado doméstico. O fechamento de quase 800 mil postos de trabalho nos últimos três meses também reforçou essa imagem: a de que vivemos "a hora do facão", como expressou um auxiliar de Lula. Na última quinta-feira, a Embraer anunciou 4.200 demissões, o equivalente a 20% de sua força de trabalho.

Lula reafirmou ontem que está indignado e pretende se reunir com a direção da Embraer na semana que vem. Há forte desconforto no núcleo do Palácio do Planalto com a direção das grandes empresas que anunciaram cortes de pessoal. Lula tem dito que as companhias têm sido precipitadas e vão pagar um preço alto por isso. O presidente avaliou ainda que a Embraer jogou pesado ao não construir uma mediação antecipada com o governo e não tentar uma solução intermediária. Lula acha que agora está tarde para construir uma solução de curto prazo.

- O problema é que a empresa tem dependência de 94% do mercado externo. Ao mesmo tempo, as companhias aéreas não estão bem, todas com queda de passageiros muito grande. As encomendas da Embraer secaram e isso vem acontecendo desde o ano passado - afirmou ao GLOBO o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, ao avaliar as demissões.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse ontem em Recife que o anúncio dos cortes na Embraer deixou o governo em situação bastante "desconfortável".

Do ponto de vista político, o Palácio do Planalto avalia que o aumento do desemprego pode começar a afetar, até mesmo, a popularidade do governo Lula.

Ministério Público do Trabalho quer explicações da empresa

Nos próximos dias, diretores do BNDES e da Embraer também se encontram para discutir a situação. Desde 1997, o banco desembolsou R$8,39 bilhões para financiar a expansão da empresa no mercado internacional. Em 2008, foram R$542,3 milhões. O banco não comentou as demissões, mas informou que não existem nos contratos cláusulas que obriguem a manutenção dos empregos. O último contrato entre o BNDES e a Embraer foi assinado no ano passado, de US$326 milhões.

O Ministério Público do Trabalho em São José dos Campos (SP) convocou a direção da Embraer para explicar os cortes. Uma audiência foi marcada para o próximo dia 2. Se entender que as dispensas foram injustificadas, o MP poderá pedir à Justiça a reintegração de todos os empregados.

Em outra frente, a Força Sindical e o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos anunciaram que vão recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Na ação, que deverá ser apresentada na próxima semana, as entidades vão pedir que o TRT reconheça a ilegalidade da dispensa coletiva. Procurada, a Embraer não se pronunciou sobre o assunto.

O presidente do sindicato, Adilson dos Santos, que viajou ontem a Brasília para tentar, sem sucesso, um encontro com o presidente Lula, disse que a Embraer agiu com "má-fé, prepotência, ganância e insensibilidade".

Como reação, o sindicato fez duas manifestações em frente à Embraer - a primeira na noite de quinta-feira e a segunda, na manhã de ontem. No primeiro caso, houve início de tumulto entre sindicalistas e funcionários que tentaram furar o bloqueio para entrar na fábrica. A polícia precisou intervir para controlar a situação.

Mineradora Anglo American anuncia corte de 19 mil

Ontem, a mineradora Anglo American anunciou que vai cortar 19 mil postos de trabalho em todo o mundo esse ano, o que corresponde a 10% de sua força de trabalho, e suspender o pagamento de dividendos. O lucro líquido da empresa caiu 29% em 2008, para US$5,2 bilhões.

COLABORARAM Eliane Oliveira, Chico de Gois e Letícia Lins, com agências internacionais

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